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- By Fábio Reis
Farmacêuticos esclarecem que não existe maconha sintética
Não existe maconha sintética: CFF, SBTox e CRF-SP divulgam nota com esclarecimentos técnicos importantes
Nas últimas semanas, tem-se observado o aumento no número de reportagens e entrevistas a respeito de casos de intoxicações relacionados com a “droga K” (também chamada de K2, K4, K9, Spice, entre outros.) e, não raro, esta droga está sendo identificada por veículos de imprensa como “maconha sintética”. Diante deste cenário, uma nota conjunta entre o CFF, SBTox e CRF-SP foi emitida com os devidos esclarecimentos técnicos importantes acerca do assunto.
Confira a nota na íntegra:
NÃO EXISTE MACONHA SINTÉTICA!
Nas últimas semanas, tem-se observado o aumento no número de reportagens e
entrevistas a respeito de casos de intoxicações relacionados com a “droga K” (também
chamada de K2, K4, K9, Spice, entre outros.) e, não raro, esta droga está sendo
identificada por veículos de imprensa como “maconha sintética”. Diante deste cenário,
faz-se necessário alguns esclarecimentos técnicos importantes:
1. Não existe maconha sintética! A maconha é o nome popular atribuído à
Cannabis sativa, uma planta que produz naturalmente princípios ativos chamados
de fitocanabinoides, entre os mais conhecidos estão o D9-THC e o CBD
(canabidiol);
2. A “droga K” como é popularmente denominada, possui como princípios ativos
substâncias químicas ou mistura de substâncias chamadas de canabinoides
sintéticos, grupo de drogas de origem sintética que passou a ser utilizado em
diversos países majoritariamente a partir do início da década passada;
3. Para mimetizar o hábito de fumar (forma mais comum de uso da maconha), os
canabinoides sintéticos são comumente impregnados em plantas aromáticas que
possam ser fumadas, mas que por si só não teriam atividade psicoativa. Assim, é
correto afirmar que o material botânico é apenas um suporte que será pulverizado
com o princípio ativo sintético, que é efetivamente o princípio ativo da droga;
4. É válido ressaltar que existem outras formas de apresentação da “droga K”, como
impregnados em papéis, tiras orodispersíveis (“selos” denominados como
“doce”), spray, borrifadores líquidos, entre outros;
5. O grupo dos canabinoides sintéticos é composto por centenas de substâncias
químicas diferentes, o que significa que a composição da droga vendida nas ruas
(a chamada “droga K”) pode ser extremamente variável e não uma composição
única. Do ponto de vista químico, estas substâncias sintéticas não são
estruturalmente semelhantes ao D9-THC ou outros canabinoides naturais,
portanto, apresentam manifestações tóxicas distintas aquelas apresentadas pela
exposição aguda a maconha;
6. Estas substâncias são conhecidas por canabinoides sintéticos pois atuam nos
mesmos receptores (estruturas moleculares presentes no organismo e que
coordenam as funções celulares) que o D9-THC, porém com uma afinidade muito
maior do que este. Como consequência desta maior afinidade, os canabinoides
sintéticos são dezenas ou até centenas de vezes mais potentes do que princípio
ativo presente naturalmente na maconha, podendo provocar efeitos drasticamente
mais intensos e perigosos para o usuário desta droga;
7. Nenhuma droga faz alguém virar “zumbi”. Em 2016, na cidade de Nova York
(EUA), foi reportado um “surto de zumbis”, divulgado por diferentes meios por
se tratar de uma intoxicação em massa de 33 pessoas que utilizaram canabinoides
sintéticos, o qual foi posteriormente identificado como sendo o princípio ativo
AMB-FUBINACA. Os principais efeitos apresentados nos pacientes foram:
extrema letargia com olhar vago, gemidos e movimentos mecânicos lentos dos
braços e pernas, sintomas esses que culminaram em uma fisionomia semelhante
ao de um “zumbi”. Contudo, após o diagnóstico laboratorial e tratamento médico
adequado, os sintomas desapareceram e todos os pacientes se recuperaram. Essa
associação é extremamente negativa e pode levar a uma visão distorcida e
preconceituosa sobre as pessoas que usam drogas. É válido lembrar que pessoas
que sofrem com essa condição de dependência devem ser tratadas com empatia e
respeito. Rotulá-las como "zumbis" ou qualquer outro termo depreciativo só
aumenta o estigma associado ao uso de drogas e pode impedir que elas procurem
ajuda e tratamento.
8. Os efeitos tóxicos causados pelos canabinoides sintéticos incluem agitação,
ansiedade, sonolência, taquicardia, hipertensão, náuseas e vômitos, bem como
outras manifestações graves, como psicose, acidente vascular cerebral,
convulsões, e complicações cardíacas (comumente observada em pacientes que
procuram serviços de emergência após o uso deste tipo de droga).
Do exposto, pode-se afirmar que o termo “maconha sintética” não é correto do ponto
de vista científico, e deve ser evitado pois pode trazer uma falsa impressão de segurança
para a pessoa que faz uso de canabinoides sintéticos.
.
José Roberto Santin
Diretor Presidente SBTox
Coordenador Grupo de Trabalho sobre Toxicologia do CFF
José Luiz da Costa
Coordenador Executivo do CIATox de Campinas/Unicamp
Silvia de O. S. Cazenave
Coordenadora do grupo técnico de trabalho em Toxicologia do CRF-SP
Rafael Lanaro
Diretor - Secretário SBTox; CIATox de Campinas/Unicamp
Membro do GT sobre Toxicologia do CFF
Referências:
COSTA, J.L.; LANARO, R.; CAZENAVE, S.O.S. Drogas Sintéticas & Novas
Substâncias Psicoativas. In: Fundamentos da Toxicologia. 5a. ed. São Paulo: Atheneu
Editora; 2021.
ADAMS, A.J.; BANISTER, S.D.; IRIZARRY, L.; TRECKI, J.; SCHWARTZ, M.;
GERONA, R. “Zombie” Outbreak Caused by the Synthetic Cannabinoid AMBFUBINACA in New York. N. Engl J Med. 376;3. January 19, 2017.
UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. Recommended methods for
the Identification and Analysis of Synthetic Cannabinoid Receptor Agonists in Seized
Materials. Vienna, 2020. Disponível em:
https://www.unodc.org/documents/scientific/STNAR48_Rev.1_ebook.pdf. Acessado
em: maio de 2023.