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- Categoria: Farmácia Hospitalar - Tiago Henrique Arantes
MEDICAMENTOS DE ALTO RISCO
Os “Medicamentos de Alto Risco" (MAR) são aqueles que têm um risco potencial de causar danos graves ou até mesmo fatais, quando um erro ocorre no curso de sua utilizacão. Esta definição não indica que os erros associados a estes fármacos são freqüentes, mas as conseqüências de um erro para os pacientes são geralmente mais graves. Portanto, a inclusão do gerenciamento de MAR em programas de segurança clínica deve ser prioridade em todos os hospitais.
O Institute for Safe Medication Practices (ISMP), realizou em 1995 e 1996, um estudo em 161 hospitais da Comunidade Européia para fazer um levantamento dos fármacos que tinham maior probabilidade de causar eventos adversos e concluíram que esses medicamentos eram limitados em número, o que facilitou a centralização das medidas de melhoria. A partir desse estudo e dos casos notificados ao sistema de notificação voluntária de erros de medicamento MERP, o ISMP estabeleceu uma lista dos medicamentos consideradas de alto risco, que atualmente é utilizada em hospitais de todo o mundo.
Esta lista vem sendo atualizada conforme novos medicamentos são comercializados e novas informações são geradas sobre os erros de medicamento considerados graves. A última lista publicada pelo ISMP (2008) é adaptada com os medicamentos disponíveis no nosso país e apresentada na tabela abaixo:
Por Grupo Terapêutico |
Por Medicamento específico |
Agonistas adrenérgicos, IV (p.ex., adrenalina, fenilefrina, noradrenalina) | Insulina, subcutânea e IV |
Antagonistas adrenérgicos, IV (p.ex., propranolol, metoprolol, esmolol) |
Sulfato de magnésio, IV |
Anestésicos, gerais, inalatórios e IV (p.ex., propofol, cetamina) |
Metotrexato, oral (uso não-oncológico) |
Antiarrítimicos, IV (p.ex., lidocaína, amiodarona) | Ocitocina, IV |
Agentes antitrombóticos (anticoagulantes), incluindo warfarina, heparina de baixo peso molecular (p.ex., enoxaparina), heparina não fracionada IV, inibidores de Fator Xa, inibidores direto de trombina (p.ex., argatroban), trombolíticos (p.ex., alteplase) e inibidores de glicoproteína IIb/IIIa | Água estéril injetável para inalação e irrigação em recipientes (³100 mL) |
Soluções cardioplégicas | Nitroprussiato de sódio, IV |
Antineoplásicos, parenteral e oral | Cloreto de potássio concentrado, IV |
Glicose hipertônica (³20%), IV | Fosfato de potássio, IV |
Medicamentos por via epidural ou intratecal | Prometazina, IV |
Soluções de diálise, peritoneal e hemodiálise | Cloreto de sódio hipertônico (>0,9%), IV |
Hipoglicemiantes orais | |
Sedativos moderados, IV (p.ex., midazolam) | |
Sedativos moderados, oral para crianças (p.ex., hidrato de cloral) | |
Opióides/Narcóticos, IV, transdérmicos e oral | |
Bloqueadores neuromusculares (p.ex., succnilcolina, rocurônio, vecurônio) | |
Constrastes radioativos, IV | |
Nutrição parenteral |
Os MAR fazem parte das recomendações e estratégias prioritárias das agências e organizações especialistas em melhorias na segurança clínica do paciente. Sendo assim, o Conselho Europeu em seu documento Creation of a better safety culture in Europe: Buiding up safe medication practices incluiu a padronização dos MAR entre as práticas seguras que devem ser implantadas nos hospitais e salientou a necessidade de programas e procedimentos focalizados em uma abordagem multidisciplinar da prevenção de erros com estes medicamentos.
O Fórum Nacional de Qualidade, realizado na União Européia, incluiu a "Gestão dos MAR" como uma das 30 práticas de segurança fundamentais a serem implantadas em todos os hospitais. Esta prática também foi introduzida no Patways for Medication Safety, desenvolvido pelo ISMP em parceria com o American Hospital Association e o Health Research Educational Trust, e também foi um dos primeiros National Patient Safety Goals estabelecido pela Joint Commission Acreditation of Healthcare Organization no ano de 2003.
Além dessas recomendações, em vários países, campanhas vem sendo dirigidas especificamente sobre a gerenciamento de um ou de um grupo desses medicamentos. Por exemplo, a primeira medida tomada pelo National Patient Safety Agency, pelo Australian Council for Safety and Quality e pelo ISMP-Canadá visava reduzir os erros decorrentes do uso de potássio por via intravenosa. Essas mesmas agências e outras organizações planejaram estratégias voltadas para a prevenção de erros com metotrexato oral, vincristina, opióides, anticoagulantes orais e insulina. Dentre estes últimos cabe mencionar a campanha "5 milhões de vidas", realizada pelo Institute for Health Improvement, que inclui intervenções destinadas a melhoria da segurança dos MAR, particularmente os opióides, insulinas, anticoagulantes orais e sedativos.
PRINCÍPIOS GERAIS PARA A PREVENÇÃO DE ERROS ENVOLVENDO MEDICAMENTOS DE ALTO RISCO
Para o desenvolvimento de um programa de medidas visando a redução de erros envolvendo MAR, é necessário em primeiro lugar, reconhecer toda a complexidade de um sistema de utilização de medicamentos. O conhecimento desta cadeia permite a introdução de diferentes rotinas em cada uma das etapas que compõem o fluxo de uso do MAR.
É aconselhável implantar práticas específicas para evitar erros durante os processos de embalagem, rotulagem, armazenamento, prescrição, dispensação, preparo e administração. Deve-se considerar o caráter multidisciplinar deste sistema, de modo que todos os profissionais envolvidos sejam abordados no desenvolvimento e implementação deste programa, inclusive os próprios pacientes.
As práticas específicas devem minimizar a ocorrência de eventos adversos que acometem os pacientes e serem baseadas nos seguintes princípios básicos de segurança:
- Reduzir a possibilidade de ocorrência de erros
O principal meio de prevenir os erros de medicamento é limitar a possibilidade de ocorrência. Algumas práticas para alcançar esse objetivo são: padronizar os medicamentos de alto risco disponíveis nos hospitais, limitando o número de apresentações dos mesmos com diferentes doses, concentrações e/ou volume; retirar ou limitar o estoque de medicamentos de alto risco nas unidades assistenciais (p.ex: impedir o armazenamento de soluções concentradas de cloreto de potássio nas unidades assistenciais); entre outros.
- Criar ferramentas que permitam a visualização dos erros
Tendo em vista, que não é possível prevenir todos os erros, parte-se do princípio, de que se os erros forem identificados, é possível atuar antes que eles atinjam o paciente. Para que isso ocorra, é necessário implantar controles de processos para detectar e interceptar os erros.
Um exemplo prático da aplicação desta medida é a introdução de sistemas de "duplo check" em pontos vulneráveis, uma vez que é menor a probabilidade de duas pessoas diferentes se equivocarem ao verificar o mesmo processo. Esta verificação é aconselhável, por exemplo, quando utilizam-se bombas de infusão para administrar MAR, com o propósito de detectar erros na velocidade de infusão.
- Minimizar as conseqüências geradas pelos erros
Esse princípio baseia-se na alteração de produtos ou de processos, com a finalidade de reduzir a gravidade dos eventos adversos potenciais causados por erros de medicamentos, quando há falha em todas as medidas anteriores e os erros chegam ao paciente. Por exemplo, alguns anos atrás, eventos sentinelas ocorreram em hospitais americanos, que resultaram na administração errada de frascos de 50 mL de lidocaína a 2%, ao invés de manitol, devido a aparência semelhante dos recipientes. Se os frascos de lidocaína fossem de 10 mL, este erro poderia ter evitado as conseqüências fatais desse episódio.
MEDIDAS PARA A MELHORIA DA SEGURANÇA DO USO DE MEDICAMENTOS DE ALTO RISCO
A partir dos princípios gerais, referidos acima, é possível desenhar e implementar medidas específicas baseadas no conhecimento dos processos para a melhoraria da segurança do uso de MAR nos hospitais.
Estas medidas consistem principalmente em: reduzir a complexidade, simplificando e padronizando os processos, criar barreiras ou restrições que limitem ou que obriguem a realizar os processos de uma determinada maneira, otimizar os procedimentos de informação, entre outros.
As principais medidas são:
· Implementar medidas que tornem difícil ou impossível a ocorrência de erros
A melhor maneira de prevenir um erro é introduzir barreiras que eliminem ou reduzam a possibilidade de ocorrência. Por exemplo, a utilização de seringas especiais para a administração de soluções orais que não se conectam com os sistemas de administração intravenosa, evitando a administração destes medicamentos pela via errada.
Outra medida, mais representativa em tornar "impossível" a ocorrência de determinados erros é, por exemplo, remover o cloreto de potássio concentrado das unidades assistenciais, evitando assim, a possível injeção acidental intravenosa.
· Uso de protocolos e formulários pré-impressos
Outra maneira de melhorar a utilização segura dos MAR é dispor de protocolos detalhados e acessíveis.
Quando todos os profissionais envolvidos com o uso de medicamentos seguem protocolos pré-estabelecidos, cria-se de forma automática, vários postos de controle em todo o sistema. Os protocolos são especialmente úteis na quimioterapia, uma vez que os regimes de tratamento com estes medicamentos são complexos e mutáveis, o que facilita a ocorrência de erros.
O uso de protocolos diminui a dependência da memória e permite que um novo profissional no hospital possa realizar com segurança, um processo que não lhe é familiar.
Formulários pré-impressos auxiliam na prescrição dos medicamentos mais comumente utilizados em situações específicas (p.ex: em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos), em procedimentos complexos (p.ex: admissão em unidades de cuidados intensivos) e tratamentos de quimioterapia, entre outros. Além de permitir a padronização de medicamentos e doses.
· Revisar a segurança das apresentações disponíveis no hospital
Os MAR incluídos na lista de padronização de medicamentos do hospital devem ser revistos continuamente para evitar erros ocasionados por nomes parecidos ou aparência similar de embalagens e rótulos. Se forem detectados erros potenciais por estas causas, deve-se tomar medidas preventivas, tais como, a retirada do medicamento da lista de padronização, a substituição por outra apresentação, a estocagem em locais diferentes e/ou a utilização de etiquetas adicionais que permitem a diferenciação.
· Reduzir o número de apresentações
Quanto maior o número de apresentações disponíveis de um medicamento (dose, concentrações e volumes), maior a possibilidade de ocorrência de um erro.
Deve-se reduzir o número de apresentações de MAR na lista de padronização ou em uma determinada unidade assistencial, para a minimizar a possibilidade de erro. Por exemplo, em vez de disponibilizar duas apresentações de heparina (1% e 5%), utilizar apenas a apresentação de 1%.
· Centralização dos processos mais susceptíveis a erros
Um dos processos de centralização mais conveniente para minimizar os erros de medicamentos é a manipulação de misturas intravenosas de MAR pelo serviço de farmácia. A preparação destes medicamentos nas unidades assistenciais está sujeito a inúmeros fatores que podem levar a erros, tais como: inexperiência, erros de cálculo, entre outros.
· Utilizar técnicas de duplo-check em pontos críticos
Cada hospital deve identificar os processos com maior freqüência de erros e implantar métodos que auxiliem a prevenção. Um destes métodos é a utilização de sistemas "independentes de duplo-check" nos pontos críticos, onde uma pessoa revisa o trabalho realizado por outra. Apesar do fato, de que todos estão sujeitos a cometer erros, a probabilidade de duas pessoas cometerem o mesmo erro, com o mesmo medicamento e no mesmo paciente, é muito baixa.
O duplo-check deve limitar-se aos pontos mais susceptíveis a erros na cadeia de utilização dos medicamentos e nos pacientes de risco. Por exemplo: a programação de bombas de infusão, a verificação de dose em crianças e idosos, no uso de citostáticos, entre outros.
Apesar dos bons resultados obtidos por esta medida, deve se ter em mente que a presença de um grande número de pontos de controle diminui a sua eficácia.
A utilização de sistemas com código de barras oferecem um duplo-check automático e é muito eficiente para a prevenção de erros durante a dispensação e administração.
· Incorporar alertas automáticos
É muito útil dispor de bancos de dados de medicamentos integrados nos programas de prescrição e dispensação que alertem situações potencialmente perigosas ou que possam gerar erros (p.ex., dose máxima, interações medicamentosas, entre outros).
· Padronizar e simplificar a forma de prescrição
A padronização e simplificação do uso dos medicamentos consistem na elaboração e seguimento de protocolos para uniformizar os processos, reduzindo a complexidade e variabilidade.
Os hospitais devem divulgar regras de prescrição correta, com recomendações específicas, como por exemplo: evitar o uso de abreviações e prescrições ambíguas.
A prescrição eletrônica permite prevenir erros, uma vez que impede a transcrição e fornece informações sobre o paciente, interações medicamentosas e a dose a ser prescrita em situações especiais, entre outros.
· Padronização das doses
O cálculo de dose em função do peso ou de outros fatores, tais como, a função renal e a função hepática, facilitam a ocorrência de erros. Para evita-los, nomogramas que simplifiquem os cálculos são recomendados, os quais pode-se incluir múltiplos fatores para a dosagem, como o peso do paciente, concentração da solução, a taxa de infusão, entre outros.
A concentração das soluções para infusão de morfina, heparina, insulina e inotrópicos utilizadas em adultos devem ser padronizadas em uma única concentração e utilizada em pelo menos 90% dos casos em toda a instituição.
· Promover o acesso a informação
As informações importantes sobre o paciente e o tratamento que recebe devem estar acessíveis a todos os envolvidos no cuidado e devem ser continuamente atualizadas. Os dados incluem o peso, idade, alergias, resultados de laboratório, diagnóstico e tratamento do paciente.
Os protocolos de atuação, diretrizes, escalas de dosagem e protocolos de uso de MAR (citostáticos, anticoagulantes, opióides, insulina, soluções eletrolíticas contendo potássio, magnésio, sódio ou fosfato) devem estar facilmente acessíveis a todos os profissionais.
· Educação aos pacientes
Os pacientes devem participar ativamente nos seus cuidados e devem estar informados dos possíveis erros que podem ocorrer com os MAR. Devem ser fornecidos os meios para ajudá-los a garantir sua utilização segura após a alta, com as informações escritas em uma linguagem facilmente compreensível.
Fonte: www.ismp.org
Texto escrito por:
Tiago Henrique Arantes - Farmacêutico
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