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- Categoria: Estudo e Pesquisa
- By FAPESP
Nova técnica ajuda a estudar reações de metaloproteínas
Em um artigo publicado recentemente na revista Nature Communications, pesquisadores sediados no Brasil e no Canadá descreveram uma nova metodologia para estudar a mecânica das reações químicas catalisadas por metaloproteínas – um tipo de enzima que contém íons metálicos ligados na cadeia polipeptídica.
O trabalho é apoiado pela FAPESP, por meio do projeto “Desenvolvimento e aplicação de simulação computacional e análise espectroscópica para o estudo de metaloenzimas e de proteínas flexíveis”, coordenado pelo professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) Guilherme Menegon Arantes, coautor do artigo.
“As metaloproteínas – particularmente aquelas que contêm átomos de ferro e de enxofre – estão envolvidas em diversos processos biológicos importantes para a vida, como fotossíntese e respiração celular. Se conseguirmos entender como ocorrem a formação e a quebra de ligações químicas nessas enzimas, compreenderemos melhor os processos biológicos nos quais elas estão envolvidas”, disse Arantes em entrevista à Agência FAPESP.
Como os átomos metálicos possuem estrutura eletrônica mais flexível, explicou o pesquisador, eles são mais reativos do que as moléculas puramente orgânicas, formadas apenas por aminoácidos. Por esse motivo, as metaloproteínas são capazes de catalisar reações químicas muito difíceis, que não ocorreriam sem a presença dessas enzimas.
De acordo com Arantes, o grande desafio dos cientistas interessados em estudar essas proteínas têm sido acessar esses grupos metálicos em laboratório. Assim como qualquer proteína, para que essas enzimas assumam sua forma funcional, as cadeias polipeptídicas se dobram como se fossem um origami ao mesmo tempo em que se enrolam, em um processo conhecido como enovelamento. Como os grupos metálicos são altamente reativos, acredita-se que o processo evolutivo tenha feito com que eles ficassem escondidos no interior da estrutura tridimensional, de forma a evitar que ocorram reações indesejadas.
“Isso facilita a atividade da enzima, mas dificulta a vida do pesquisador que quer estudá-la. Os métodos existentes até então consistiam em desmontar a estrutura tridimensional com uso de condições físicas drásticas ou de substâncias químicas. Em nosso trabalho foi usada uma metodologia que permite desenovelar apenas parcialmente a proteína sem danificar a cadeia polipeptídica, o que possibilita estudar as enzimas em situação mais parecida com as encontradas nos organismos vivos”, explicou Arantes.
O grupo da USP e da University of British Columbia, no Canadá, está interessado particularmente nas proteínas equipadas com centros de ferro-enxofre. Elas estão presentes em todos os organismos vivos e desempenham funções diversas, como transferência de elétrons entre outras proteínas, catálise enzimática e regulação genética. No artigo recém-publicado foi usada como modelo uma proteína chamada rubredoxina, que realiza a transferência de elétrons em microrganismos.
Com auxílio de técnica de microscopia de força atômica, os pesquisadores do Canadá são capazes de manipular a cadeia polipeptídica que compõe a proteína, esticando-a e, ao mesmo tempo, medindo o deslocamento e a força necessária para que ocorra o desenovelamento.
Paralelamente, no Brasil, o grupo coordenado por Arantes realiza a simulação computacional da reação química. “Embora o experimento consiga medir com bastante precisão a força e o deslocamento necessário para o desenovelamento, não oferece uma visão microscópica do processo. Na simulação, fazemos uma espécie de filme bem detalhado mostrando a estrutura da proteína e como ocorre a quebra ou formação de ligações químicas. Então podemos comparar e validar a simulação com os dados reais obtidos no experimento”, disse Arantes.
Para fazer a simulação, o grupo da USP usa uma técnica conhecida como potenciais híbridos, que rendeu o Prêmio Nobel de Química de 2013 ao austríaco Martin Karplus (Universidade Harvard), ao sul-africano Michael Levitt (Universidade Stanford) e ao israelense Arieh Warshel (Universidade do Sul da Califórnia).
“Essa é uma técnica com a qual venho trabalhando desde o doutorado, com apoio da FAPESP, que consiste em aliar a mecânica quântica à mecânica molecular para descrever quebra ou formação de ligações químicas em proteínas ou em outros sistemas moleculares complexos”, disse Arantes.
Embora a mecânica quântica seja a teoria mais apropriada para descrever esse tipo de fenômeno, disse o pesquisador, seu uso se torna inviável quando o sistema a ser estudado é tão complexo como uma proteína, formada por milhares de átomos.
“Nem mesmo os supercomputadores são capazes de fazer contas dessa magnitude, então usamos aproximações. A mecânica quântica é empregada apenas para estudar o sítio catalítico da enzima e todo o restante da molécula que não está envolvida na reação química é descrita com a mecânica molecular, sem detalhamento da estrutura eletrônica”, explicou Arantes.
Em um trabalho anterior, publicado na revista Angewandte Chemie, o grupo simulou como ocorre a quebra da ligação ferro-enxofre na rubredoxina durante o desenovelamento sem a presença de qualquer outro reagente químico.
No artigo mais recente, foi acrescentado um agente nucleofílico – que se liga ao átomo de ferro – e um agente eletrofílico – que se liga ao átomo de enxofre.
“O grupo experimental mediu a alteração da força necessária para romper a ligação natural do ferro com o enxofre, na presença de outros agentes competitivos. Nós fizemos a simulação para entender qual é o mecanismo da reação química e como ela é facilitada pelo desenovelamento parcial da proteína e pela presença dos agentes químicos”, contou Arantes.
Na avaliação do pesquisador, a técnica combinada pode ser uma ferramenta poderosa para estudar a reação e a estabilidade de diversas metaloproteínas.
“Ao entender melhor a reatividade desses centros metálicos, podemos tentar encontrar meios de controlar os vazamentos de elétrons, que são responsáveis por formar cerca de 90% dos radicais livres gerados no interior das células. Esses radicais livres reagem com biomoléculas e podem prejudicar o funcionamento celular”, afirmou Arantes.
Por Karina Toledo | Agência FAPESP
Imagem: ilustração da proteína rubredoxina desenovelada / imagem: divulgação