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- Categoria: Estudo e Pesquisa
- By Fábio Reis
Estudo busca aprimorar vacina contra febre amarela
Reconhecida pela sua eficácia, a vacina contra a febre amarela é produzida com a mesma tecnologia desde 1937: vírus atenuados são inoculados em embriões de galinha e, após se multiplicarem, são usados no imunizante. O processo de replicação viral permaneceu uma incógnita durante décadas. Foi investigando essa etapa que um grupo liderado por cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) descobriu informações que podem ajudar a aprimorar o imunizante no futuro. Em um estudo publicado na revista científica internacional 'Plos Neglected Tropical Diseases', http://journals.plos.org/plosntds/article?id=10.1371/journal.pntd.0004064, os pesquisadores descrevem, pela primeira vez, quais tecidos e células dos embriões de galinha são responsáveis pela replicação do vírus. As descobertas podem contribuir para o aperfeiçoamento do método de fabricação da vacina, o que poderia substituir o uso de embriões de galinha por um sistema de cultura de células. Desta forma, a imunização poderia deixar de ser contraindicada para as pessoas com alergia grave a proteínas de ovo. Além disso, a mudança também representaria um avanço ético no que se refere ao uso de animais, na medida em que permitiria reduzir o emprego de embriões de galinha no processo de fabricação do imunizante.
Primeiro autor do artigo, o biólogo Pedro Paulo de Abreu Manso, do Laboratório de Patologia do IOC, diz que os resultados são surpreendentes. “Em pacientes, o fígado é um dos principais órgãos acometidos nos casos de febre amarela grave. No entanto, nos embriões de galinha, este órgão não é afetado. Por outro lado, neste trabalho observamos que os vírus são produzidos principalmente nas células musculares esqueléticas, o que nunca tinha sido mostrado antes”, comenta o pesquisador. Na medida em que identifica os tecidos responsáveis pela replicação das partículas virais nos embriões de galinha, o artigo aponta um possível caminho para a produção da vacina em cultura de células. Segundo os cientistas, tentativas anteriores neste sentido não obtiveram sucesso na produção do imunizante. “Ainda são necessários muitos testes, mas utilizar células musculares, que são as principais células envolvidas na produção do vírus in vivo, pode aumentar as chances de sucesso na produção da vacina em sistema de cultura”, avalia Pedro Paulo.
Refutações e confirmações
Os resultados inesperados da pesquisa levaram os cientistas a questionar alguns mecanismos da doença. Por exemplo, a presença dos vírus nas células musculares poderia justificar um dos sintomas iniciais do agravo: a dor muscular, que geralmente é atribuída à resposta imune do organismo contra a infecção. “Assim como ocorre nos embriões de galinha, os patógenos podem afetar diretamente os músculos dos pacientes. Isso nunca foi investigado na febre amarela, mas já foi mostrado na infecção por Chikungunya, que é causada por um vírus de uma família próxima”, afirma Pedro Paulo. Da mesma forma, a evolução da doença no fígado pode ter explicações diferentes das conhecidas até agora. Segundo as teorias atuais, células especializadas chamadas de células de Kupffer exerceriam um papel protetor, retardando a infecção das células mais importantes do órgão, conhecidas como hepatócitos. O estudo aponta justamente o contrário. Como no estudo foi usada uma fase do desenvolvimento em que os embriões de galinha ainda não possuem células de Kupffer e, mesmo assim, o fígado não foi afetado pelo vírus, os pesquisadores suspeitam que estas células possam atuar como um facilitador da propagação do patógeno no fígado.
Ao mesmo tempo em que alguns conhecimentos atuais foram questionados, outros foram reforçados. A produção de imagens inéditas confirmou a localização exata dos vírus da febre amarela nas células dos embriões de galinha. Usando uma técnica de microscopia de super-resolução, os pesquisadores mostram que as partículas virais são encontradas em uma organela celular chamada de retículo endoplasmático e em compartimentos conhecidos como vesículas de exocitose. De acordo com Pedro Paulo, as imagens ajudam a consolidar o conhecimento já existente sobre o ciclo da infecção dentro das células.
Conhecimento de interesse para o Brasil
O trabalho foi desenvolvido por pesquisadores dos Laboratórios de Patologia e de Biologia Molecular de Flavivírus do IOC com a colaboração do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). Para os autores, encontrar formas de melhorar a vacina contra a febre amarela pode ser ainda mais importante no futuro. No ano passado, uma tecnologia criada por cientistas do IOC e de Bio-Manguinhos que permite usar este imunizante como base para elaborar vacinas contra diversas doenças recebeu a patente nos Estados Unidos. Atualmente, a metodologia é aplicada na busca de possíveis vacinas contra a Aids e a doença de Chagas. Além disso, as descobertas recentes podem ajudar a aperfeiçoar um produto de destaque no portfólio brasileiro de imunizantes: responsável pela produção da vacina contra a febre amarela desde 1937, Bio-Manguinhos é o maior fabricante mundial e o único da América Latina certificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O estudo da febre amarela também está na origem do Laboratório de Patologia do IOC. A unidade é responsável pela Coleção de Febre Amarela, que reúne amostras de 498 mil casos da doença. Conservadas em formol, em blocos de parafina e em cortes histológicos corados em lâminas, as amostras de fígado de pacientes que morreram devido à infecção foram coletadas entre 1930 e 1970. Entre diversas contribuições para a ciência e a saúde, o estudo do material ajudou no mapeamento dos casos e na erradicação da forma urbana da febre amarela no Brasil alcançada entre 1933 e 1934.
Uma doença complexa
Por possuir um ciclo silvestre, a febre amarela é uma doença de difícil eliminação. Em áreas de floresta, mosquitos Haemogogus contraem o vírus causador da infecção ao sugar o sangue de macacos doentes e podem transmitir o patógeno para viajantes e pessoas que vivem nas imediações. No Brasil, a forma urbana do agravo foi eliminada em 1942, após epidemias que deixaram milhares de mortos no século XIX e no começo do século XX. No entanto, o risco de reintrodução é uma preocupação constante porque mosquitos do gênero Aedes – que já transmitem dengue, chikungunya e zika – também têm potencial de propagar a febre amarela.
Principal forma de prevenção, a vacina contra a doença faz parte do calendário nacional de imunizações em todas as áreas com risco de transmissão, o que inclui as regiões Norte e Centro-Oeste, além de trechos do Nordeste, Sul e Sudeste. Nestes locais, a primeira dose deve ser aplicada aos noves meses e a segunda, aos 4 anos. Quem nunca foi imunizado e pretende viajar para áreas com transmissão da doença deve consultar o site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para verificar a necessidade de imunização, que deve ser feita dez dias antes da data da viagem para garantir a proteção.
A maioria das pessoas que contrai febre amarela se recupera após três ou quatro dias, mas 15% dos pacientes desenvolvem formas graves, que podem levar à morte em 50% dos casos. Segundo o Ministério da Saúde, de 1999 a 2013, houve 405 registros de febre amarela grave no Brasil, com 182 óbitos. Os principais sintomas da infecção são febre alta, calafrios, dor de cabeça e dor muscular. Além disso, podem ocorrer náuseas, vômitos e diarreia. Nos casos graves, o fígado e os rins são afetados. Os pacientes apresentam olhos amarelados e sinais hemorrágicos, como sangramentos do nariz e gengivas. Uma vez que os sintomas iniciais da infecção se parecem com os de várias outras doenças, é importante que os pacientes relatem aos médicos seus históricos de viagem. Não existe tratamento específico para a febre amarela, mas os pacientes diagnosticados recebem terapia para controlar a desidratação e outros sintomas, como febre e dor.
Reportagem: Maíra Menezes
Foto: Gutemberg Brito
Fonte: Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz