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- Categoria: Estudo e Pesquisa
- By Fábio Reis
Estudo inédito no país analisa variantes da doença falciforme
A compreensão da incidência e do curso clínico das variantes da doença falciforme pode contribuir para a previsão e a prevenção de suas manifestações clínicas, o que pode resultar na melhoria da qualidade de vida do paciente. É o que indicam as conclusões de pesquisa inédita no Brasil sobre os subtipos da doença falciforme – grupo de alterações genéticas caracterizado pela presença de um tipo variado de hemoglobina no sangue, a hemoglobina S (HbS), que provoca complicações como obstrução dos vasos sanguíneos, infecções e crises de dor.
Além da forma mais comum da doença, conhecida como anemia falciforme (HbSS), que ocorre quando a pessoa herda o gene para a HbS tanto do pai quanto da mãe, há outras variantes com características distintas. Duas delas – HbSC e HbSD – foram investigadas na tese Estudo das manifestações clínicas e hematológicas da doença falciforme subtipos SC e SD em crianças do Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais, defendida no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina pelo hematologista pediátrico Paulo do Val Rezende, do Hospital das Clínicas e da Fundação Hemominas.
“A anemia falciforme, por ser a mais comum e apresentar mais sintomas, é a mais estudada. O objetivo é compreender como a doença se comporta nas manifestações HbSC e HbSD, estimar a prevalência em Minas Gerais e traçar a história natural”, explica o pesquisador.
O pesquisador e hematologista Paulo Rezende investigou subtipos da doença falciforme
O estudo foi realizado com crianças diagnosticadas pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PTN-MG) entre 1999 e 2012 e encaminhadas para tratamento no ambulatório da Hemominas em Belo Horizonte. Foram avaliadas 480 crianças, sendo 461 com o subtipo HbSC, considerada a segunda variante mais comum da doença falciforme, com prevalência de um caso a cada 3,3 mil nascidos vivos, e 19 com a variante HbSD, a mais rara e que atinge um a cada 171 mil nascidos vivos.
Análise
A pesquisa indicou que os mesmos sintomas que ocorrem na anemia falciforme (HbSS) podem ocorrer na variante SC. “O trabalho mostrou que, das crianças com HbSC, 50% tiveram uma crise de dor a cada 3 anos, 12% registraram pelo menos uma crise por ano e 10% mais de uma crise em 12 meses. Essas crianças apresentam menos sintomas, embora possam ser graves. Os pediatras precisam atentar para isso”, ressalta Paulo Rezende.
No caso da variante SD, foram considerados dois subtipos – a SD-Punjab e a SD-Korle Bu. Segundo o pesquisador, o primeiro é o mais comum entre os descritos na literatura mundial, com prevalência elevada No norte da Índia. A variação Korle-Bu, descrita originalmente em Gana, na África, apresenta gravidade clínica mais leve.
“O curso clínico e os exames hematológicos das crianças com HbSD Punjab foram muito semelhantes aos daquelas com hemoglobinopatia SS (HbSS). Por outro lado, crianças com Korle Bu apresentaram características semelhantes às daquelas com traço falciforme (quando a pessoa não apresenta a doença)”, explica Rezende.
Outros aspectos pesquisados foram as manifestações clínicas mais comuns e o índice de mortalidade, com destaque para a ocorrência da retinopatia falciforme (entupimento de veias na retina) em pacientes com a variante HbSC, cuja prevalência parece ser maior do que na anemia falciforme (HbSS). “O problema ósseo-articular também pode ter incidência parecida com a HbSS”, pontua o hematologista.
Ainda entre as crianças com a variante HbSC avaliadas, cerca de 90% apresentaram eventos infecciosos e 15% sofreram episódios de sequestro esplênico agudo, caracterizado pelo acúmulo de sangue no baço. A taxa de mortalidade registrada foi de 4,3%, ou seja, 23 mortes [Veja mais dados no quadro abaixo. Clique na imagem para ampliar sua visualização]. “O subtipo SC causa menos sintomas, mas pode gerar complicações fatais. Mesmo que, de modo geral seja uma doença menos grave, pode também ter complicações sérias”, explica Rezende.
Entre as crianças com a variante HbSD, nenhuma morte foi registrada. Em relação aos eventos clínicos, enquanto a maioria dos pacientes com o tipo Punjab teve crises de dor e necessidade de transfusão sanguínea, as crianças com o diagnóstico Korle Bu apresentaram incidência mínima de manifestações clínicas.
“Em relação ao paciente com a hemoglobina SD Punjab, é possível prever que será uma criança com possibilidade de apresentar mais sintomas e que precisa ser acompanhada. Nesses casos, é possível orientar a família sobre determinadas situações de risco”, afirma Rezende.
Arte: ACS Faculdade de Medicina UFMG
Queda da mortalidade
O pesquisador destaca também que a realização da triagem neonatal para o diagnóstico precoce de doenças genéticas, como a falciforme, favoreceu a queda abrupta da mortalidade em todo o mundo, dada a oportunidade de explicar e antecipar situações de risco. Nesse sentido, o estudo pode contribuir com a possibilidade de compreender melhor o comportamento da doença falciforme na população, considerando suas variantes.
“É preciso explicar para as famílias que a criança pode apresentar esse ou aquele sintoma e que, caso apresente, deve ir ao hospital, quando for mais grave, ou proceder de outra forma, quando não for tão grave. É possível antecipar situações e explicar o que se pode fazer antes que as manifestações apareçam. Esse tipo de orientação ajuda a reduzir a mortalidade”, conclui Paulo do Val Rezende.
Tese: Estudo das manifestações clínicas e hematológicas da doença falciforme subtipos SC e SD em crianças do Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais.
Autor: Paulo do Val Rezende
Data da defesa: 29/09/2016, no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da UFMG
Orientador: professor Marcos Borato Viana
(Assessoria de Comunicação Social da Faculdade de Medicina)
Fonte: Notícias da UFMG