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- Categoria: Saúde
- By Fábio Reis
Cai adesão a vacinas obrigatórias no país
A adesão a vacinas, algumas delas obrigatórias para crianças e disponíveis no SUS, caiu no país e tem preocupado especialistas.
A situação é atribuída mais a um descaso da população, especialmente quando a vacina exige mais de uma dose ou reforços, do que à influência de grupos antivacina.
No ano passado, a imunização contra a poliomielite atingiu 84% da cobertura –a meta era ter imunizado 95% do público-alvo. Foi o menor índice da última década.
No Brasil, não são registrados casos de pólio desde 1990. Para o Ministério da Saúde, a baixa adesão também está relacionada ao sucesso na erradicação da doença.
"A população começa a achar que não precisa mais vacinar e não completa o esquema. Leva o filho para tomar a primeira dose e vai descuidando das outras", afirma Carla Domingues, coordenadora do programa de imunizações do ministério.
Segundo a pediatra Isabella Ballalai, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), muitos pais, pelo fato de os filhos estarem com a caderneta de vacinação em dia, não os levam para receber as doses de reforço. "Dá preguiça, o pediatra fala que não precisa."
No caso da pólio, é importante completar o esquema vacinal porque o vírus ainda circula no mundo e, se houver brecha, pode ser reintroduzido no Brasil. Nove países da África e Ásia registram casos.
Foram justamente essas "brechas" vacinais que levaram o país a enfrentar um surto de sarampo no Ceará entre 2013 e 2015. Iniciado a partir de um caso importado, o surto atingiu 38 municípios, totalizando 1.052 casos.
Em 2016, quase 25% das crianças não compareceram aos postos para tomar a vacina que protege contra sarampo, caxumba, rubéola e catapora (tríplice/tetra viral). Para o ministério, a taxa menor de cobertura está relacionada ao fato de essa vacina ser nova no calendário (entrou em 2013) e o aumento na adesão está sendo gradativo.
"Estamos tendo vários surtos de caxumba e de catapora pelo país e isso está ocorrendo por falta de vacinação", diz o infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo Vasconcellos.
No ano passado, a cidade de São Paulo registrou 3.206 casos em surtos de caxumba, a maioria deles em escolas. O ministério afirma não dispor de dados nacionais sobre a doença, que não é de notificação compulsória.
Segundo Carla Domingues, a taxa de cobertura das vacinas até os 12 meses de idade é elevada (de 95%, em média), mas, com o passar do tempo, a tendência é a adesão diminuir. Aos quatro anos, apenas 50% das crianças estão com o esquema vacinal completo. "Se há atraso, a eficácia é menor."
A estimativa do ministério é que, na população não vacinada, 85% dos adultos poderão ter caxumba, que costuma ser severa e pode causar encefalite e meningite.
A catapora também preocupa, especialmente entre grávidas. A doença pode causar má formação fetal e traz risco para a mãe.
"No ano passado, uma paciente grávida morreu por complicações associadas à catapora. A doença aumenta muito a chance de a gestante ter pneumonia, além do risco de malformações e morte fetal", explica Timerman.
A vacina contra o rotavírus humano, que protege contra gastroenterite, é outra que sofre resistência e que ficou abaixo da meta (89%).
A paisagista Fernanda, 24 (ela preferiu não dar o sobrenome), foi uma das mães que optaram por não vacinar seu filho por medo dos supostos efeitos colaterais da imunização, como alergia à proteína do leite de vaca.
"Li muitos relatos na internet de dores abdominais, cólicas e diarreias após a vacinação. Fiquei com medo."
Tanto o Ministério da Saúde quanto a SBIn afirmam que a vacina é segura e que não há evidências científicas do desenvolvimento de alergia ao leite de vaca.
IMUNIZAÇÃO NO BRASIL
GRIPE
Contra o quê:
Três subtipos do vírus da gripe (A/H1N1; A/H3N2 e influenza B)
Doses/público alvo:
Uma dose todo ano, para gestantes, puérperas, crianças de 6 meses a 5 anos, idosos, doentes crônicos, professores, funcionários de presídios e presos e adolescentes internados
TRÍPLICE VIRAL D2
Contra o quê:
Sarampo, caxumba, rubéola e catapora
Doses/público alvo:
Crianças a partir dos 12 meses, adolescentes e adultos não vacinados; são necessárias duas doses
POLIOMIELITE
Contra o quê:
Poliomielite ou paralisa infantil
Doses/público alvo:
Três doses injetáveis, no 2º, 4º e 6º mês de vida do bebê; são indicadas duas doses de reforço da versão oral, aos 15 meses e aos 4 anos
ROTAVÍRUS HUMANO
Contra o quê:
Vírus que causa diarreia grave, acompanhada de febre e vômito?
Doses/público alvo
Aplicada em duas doses, no 2º e no 4º mês de vida
PENTAVALENTE
Contra o quê:
Difteria, tétano, coqueluche, meningite, hepatite B e outras infecções
Doses/público alvo
Três doses a partir dos 2 meses de idade (2º, 4º e 6º mês)
MENINGOCÓCICA C
Contra o quê
Bactéria meningocóco C, responsável por 60% das meningites
Doses/público alvo
Três doses, no 3º e no 5º mês, com reforço aos 12 meses; para adolescentes de 12 e 13 anos, dose única ou reforço
GRIPE
Neste ano, a baixa adesão à imunização contra gripe levou o ministério a liberar a vacina para toda a população até a próxima sexta (9). São Paulo, porém, decidiu manter a imunização apenas aos grupos prioritários.
A meta é imunizar pelo menos 90% das 54,2 milhões de pessoas incluídas em grupos como idosos, doentes crônicos e gestantes. Até sexta (2), 41,3 milhões (77% da meta) haviam se vacinado.
Para o ministério, a baixa procura até a última semana tem a ver com o fato de a gripe não estar provocando casos e mortes acima da média, como em 2016, quando quase 2.000 pessoas morreram por complicações da doença.
"Quando aumentam as mortes, todo mundo corre para a fila. Vacinação é uma ação preventiva, não é para apagar incêndio", diz Carla.
Segundo o infectologista Artur Timerman, há muito mito e desinformação envolvendo a vacina. "Como as pessoas não sabem a diferença entre gripe, resfriado e rinite, sempre acham que é a vacina que dá gripe."
HPV
Até 60 mil doses da vacina contra o HPV (papiloma vírus humano) podem ir para o lixo nas próximas três semanas por falta de procura nos postos. Essas doses, que equivalem a 3% do estoque repassado pelo Ministério da Saúde aos municípios, têm vencimento no dia 30 de junho.
Nesta terça (6), haverá uma reunião no Ministério da Saúde, com os coordenadores de imunização dos Estados, para identificar os locais onde há maior risco de perda e discutir estratégias para evitar o desperdício das doses.
"Ainda tem tempo de reverter isso. É uma vacina cara [cerca de R$ 43,02 a dose], introduzida no SUS por pressão da sociedade. Não faz sentido ter perda", diz Carla Domingues, do programa de imunizações do ministério.
A vacinação contra o HPV enfrenta baixa adesão, especialmente na segunda dose. Desde a introdução no calendário nacional, em 2013, até março deste ano, 8,4 milhões de meninas de 9 a 15 anos foram imunizadas com a primeira dose –70,5% do total nessa faixa etária. Já o esquema vacinal completo, de duas doses, foi realizado por 43% do público-alvo.
Em relação aos meninos, a adesão é bem menor. De janeiro a março, só 9,6% dos garotos entre 12 e 13 anos receberam a imunização, iniciada neste ano.
Segundo Carla, a imunização, por proteger contra uma doença (câncer) que, eventualmente, só se manifestará no futuro, enfrenta resistências.
"O adolescente, o jovem, sempre acha que não vai acontecer com ele", diz.
Paralelamente a isso, lembra a médica, notícias de supostas reações graves à imunização também colaboram para afastar o público-alvo.
Isabella Ballalai, da sociedade de imunizações, afirma que é difícil convencer o jovem sobre a importância da vacina. "É uma cultura que não está na cabeça da mãe. Nem a imunização contra meningite C tem alta adesão."
Para Isabella, a baixa adesão da vacina do HPV também se deve ao fato de muitas escolas terem deixado de se envolver com a questão. "Se não for na escola [a vacinação], não acontece. Mas as escolas não têm estrutura."
Segundo Isabella, há uma discussão para mudar o esquema vacinal e, assim, aumentar o espaço de tempo para a segunda dose –de seis meses para um ano. Dessa forma, as escolas teriam mais tempo para se organizar.
Já Carla Domingues, do ministério, considera temerária a mudança porque a atual estratégia garante que a menina tome pelo menos uma dose da vacina em um ano. "A mudança traz risco de reduzir ainda mais a cobertura."
Fonte: Folha de S. Paulo
CLÁUDIA COLLUCCI