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- By Nelson Mussolini
Autonomia é indispensável para a Anvisa
Confira o artigo escrito por Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos e membro titular do Conselho Nacional de Saúde, e publicado primeiramente no Jornal O Globo.
Imagine se, no auge da pandemia de SARS-CoV-2, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tivesse tido a independência e a agilidade necessárias para tomar as decisões corretas em defesa da saúde da população brasileira. Ou se, diante do negacionismo de autoridades e das várias medidas oficiais sem base científica, a Anvisa não tivesse contado com a competência técnica indispensável para aprovar vacinas, medicamentos e outros produtos essenciais para o tratamento e a prevenção da Covid-19. A tragédia e o luto vividos pelo país teriam sido muito maiores.
Na pandemia, a atuação exemplar da Anvisa demonstrou que o modelo de agências reguladoras vigente no país é adequado e eficiente. E baseado na autonomia, no conhecimento e na estabilidade de seu corpo funcional, além de ser adotado em todos os países desenvolvidos, para acompanhar e contribuir para a evolução de seus principais segmentos econômicos.
No entanto uma emenda à Medida Provisória 1.154/2023, recém-protocolada no Congresso Nacional, pode desmontar esse modelo, ao propor a transferência da competência normativa das agências reguladoras para conselhos externos.
Na prática, a Emenda n9 54 abre as portas para a politização das agências reguladoras e interferências e pressões de toda sorte. Justamente o tipo de situação que a criação desses organismos procurou evitar. A aprovação dessa proposta representaria um retrocesso de um quarto de século nos esforços de modernização, isenção e capacitação da administração pública no país.
A indústria farmacêutica mantém com a Anvisa um diálogo intenso e às vezes difícil, por causa de questões complexas que são objeto da regulação. Consensos e divergências fazem parte da rotina de interlocução entre ente regulador e setor regulado, mas as soluções devem vir de um diálogo transparente, técnico e do constante aperfeiçoamento organizacional das agências e de suas equipes de especialistas.
Em todas as áreas, a independência das agências é fundamental para a definição do arcabouço adequado e para o desenvolvimento dos mercados. A segurança jurídica e a previsibilidade que esse modelo de marco regulatório provê —num ambiente em que os argumentos técnicos e a análise abalizada têm primazia —atraem empresas e investidores e favorecem o surgimento de novas oportunidades de progresso econômico e social.
Foi a partir da introdução do modelo moderno de regulação sanitária e econômica instaurado com a criação da Anvisa, há 24 anos, que a cadeia produtiva de medicamentos adotou altos padrões internacionais de qualidade, que trouxeram ao mercado brasileiro as principais empresas globais e viabilizaram a consolidação de grandes laboratórios de capital nacional.
Na Saúde e nos demais setores vitais para a sociedade e para o bom funcionamento do Poder Público, a garantia de autonomia e de integridade das agências reguladoras deve ser uma cláusula pétrea, uma salvaguarda institucional do Estado brasileiro.
(*) Nelson Mussolini é presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos e membro titular do Conselho Nacional de Saúde