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- By Fábio Reis
Entenda o que é a tecnologia de vírus atenuado, utilizada na vacina contra a dengue
Os imunizantes feitos com a técnica têm resposta imune eficiente e duradoura, diminuindo a quantidade de doses e a necessidade de reforço ao longo do tempo
Em dezembro de 2022, o Butantan divulgou resultados preliminares animadores referentes à fase 3 de ensaios clínicos da sua vacina contra a dengue: o imunobiológico apresentou uma eficácia de quase 80% de proteção com uma única dose. O diferencial do produto é que ele utiliza a tecnologia de vírus vivo atenuado – diferentemente da vacina contra a influenza, carro-chefe do Butantan, que é feita com a bem estabelecida técnica de vírus inativado.
“Quando pensamos em desenvolver uma nova vacina, geralmente a primeira opção são as de vírus vivo atenuado, que induzem uma ótima resposta imunológica por um tempo duradouro”, explica a gerente de projetos do Laboratório Piloto de Vacinas Virais, Neuza Frazatti, responsável por liderar os estudos para a produção do imunizante.
Popularmente chamados de “enfraquecidos”, os vírus atenuados mantêm todas as suas características, mas apresentam uma baixa capacidade de replicação. Ou seja, uma vez no organismo, eles até se multiplicam dentro da célula, mas geram uma baixa viremia – que é a quantidade de vírus circulante no corpo. “É como se o organismo fosse ‘enganado’ por uma doença bem branda, mas capaz de gerar a resposta imunológica semelhante à que teria frente ao vírus circulante que provoca a doença”, esclarece a cientista.
Respostas eficazes e mais duradouras
Assim que completamos um esquema vacinal, nosso nível de anticorpos contra aquela doença aumenta consideravelmente. Com o tempo, é normal que esse índice comece a cair, mas isso não significa que voltamos a estar desprotegidos daquele determinado patógeno.
A reação do organismo humano frente a um corpo estranho, como o vírus contido em uma vacina, é algo extremamente complexo. No geral, o sistema imunológico induz duas respostas: a primeira é a produção de anticorpos, proteínas que combatem o agente infeccioso; outra é a memória celular, também chamada de humoral, responsável por “guardar” as informações que vão ativar as células de defesa e combater um determinado antígeno já conhecido pelo nosso corpo, garantindo assim uma proteção a longo prazo.
“Portanto, é importante que uma vacina produza uma boa resposta humoral, referente aos níveis de anticorpos, e celular – caso dos imunizantes feitos com vírus vivo atenuado”, exemplifica Neuza Frazatti. Isso explica o fato de muitas vacinas feitas com a técnica, como a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), rotavírus e a da poliomielite oral, serem aplicadas ainda na primeira infância e dispensarem novas doses de reforço depois. A eficiência também se reflete na necessidade de menos doses, como o imunizante do Butantan contra a dengue, que será aplicado em dose única.
Atenuando um vírus
Existem diversas maneiras de atenuar um vírus. Uma das possibilidades é realizar passagens sequenciais do vírus em animais, ovos embrionados ou células in vitro. Quando essas passagens ocorrem em um sistema que não é próprio do patógeno, ele vai perdendo a sua capacidade de replicação – ou seja, vai atenuando.
Outra possibilidade é por engenharia genética, deletando ou cortando genes pontuais do genoma do vírus, geralmente relacionados a sua capacidade de replicação, ou até adicionando pedaços de outros. As cepas utilizadas no desenvolvimento da vacina contra a dengue do Butantan, por exemplo, passaram por esse processo de atenuação genética. “Isso foi bastante importante, pois nos permitiu ter uma vacina quadrivalente com imunidade duradoura”, afirma Neuza Frazatti.
Teoricamente, todos os vírus podem ser atenuados, mas a tarefa é complexa e nem sempre se tem êxito. Esse é um dos motivos pelos quais nem sempre é possível desenvolver um imunobiológico com a tecnologia de vírus atenuado. Novamente, o exemplo é a Influenza do Butantan: nessa vacina, o vírus inativado da gripe perdeu completamente a sua capacidade de replicação pela ação de um reagente químico.
No caso dos vírus atenuados, o desafio é encontrar o patamar perfeito de viremia, quando a quantidade de antígeno circulante é suficiente para produzir anticorpos, sem provocar a doença. Esse tipo de imunizante não é recomendado para a população imunodeprimida ou gestantes, visto que existe uma pequena probabilidade, muito remota, dos vírus se replicarem, desencadeando a versão “real” da patologia.
Histórico da vacina atenuada
Desenvolvida há mais de 230 anos, a vacina contra a varíola – a primeira da história – já apresentava o conceito de vírus atenuado. Na época, o naturalista e médico britânico Edward Jenner (1749-1823) observou que as vacas tinham feridas similares às provocadas pela varíola. Além disso, ele percebeu que as pessoas que trabalhavam manipulando o gado pareciam imunes à doença. Então, ele conduziu um experimento: expôs um menino ao vírus bovino da varíola, que desenvolveu uma versão branda da doença. Depois de um tempo, inoculou no mesmo garoto a versão humana do vírus. O resultado? A criança não contraiu a doença, dando início ao conceito de imunização.
“Antigamente era assim. O cientista via um evento e, após algumas observações, o relacionava com uma possível solução. Depois da vacina contra a varíola, veio a da febre amarela e muitas outras produzidas com vírus vivo atenuado”, comenta Neuza Frazatti.
No passado, o próprio Instituto Butantan produziu a vacina antivariólica. De acordo com o Ministério da Saúde, os últimos casos da doença no Brasil foram registrados em 1971 e no início da década de 1980 a doença foi erradicada em todo o mundo, graças aos efeitos da vacinação em massa.
Reportagem: Natasha Pinelli
Fonte: Butantan