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- Categoria: Estudo e Pesquisa
- By fabio
Vencido ou não, remédio é ameaça ambiental
Vencido ou não, remédio é ameaça ambiental
Fonte: Folha de Londrina - PR
30/08/2009 - Tão invisível quanto perigosa, a ameaça ambiental representada pelos resíduos de medicamentos já afeta o Brasil e também o Paraná. Enquanto persistem a negligência dos governos (federal, estadual e municipal), a irresponsabilidade da indústria farmacêutica e a desinformação da população, as moléculas que curam seguem contaminando de maneira perigosa, principalmente a água. Os primeiros seres vivos afetados (aves e peixes) já dão sinais de alerta.
Farmacêutico e representante do Conselho Regional de Farmácia do Paraná (CRF-PR) na Comissão de Vigilância Sanitária e Meio Ambiente do Conselho Estadual de Saúde, Javier Gamarra defendeu, em 2007, tese de mestrado na Universidade Positivo sobre o impacto ambiental de resíduos de fármacos no esgoto de centenas de municípios do Paraná e classificou a situação como "muito séria". Ele identificou que os efluentes de 51 dentre 104 cidades pesquisadas estariam sob risco ambiental em relação ao anti-inflamató rio ibuprofeno, um dos mais usados. Em outras 12, de um universo de 319, estariam também sob risco relacionado ao diclofenaco. No total, a pesquisa abrangeu 333 municípios.
Conforme o pesquisador, as causas dessa contaminação estariam ligadas a práticas que as pessoas nem se dão conta de que são perigosas ao ambiente, como o uso inadvertido de medicamentos (automedicação, dosagens incorretas). O farmacêutico lembra que a questão é séria porque o País é um dos 10 maiores consumidores mundiais de medicamentos e a tendência é de aumento do consumo nos próximos anos. Ele explica que parte do que é ingerido é eliminado pela urina ou fezes, cai na rede de esgoto doméstico, chega à estação de tratamento - "que não dispõe de tecnologia para remover todos os resíduos" - e acaba nos rios.
Outra via importante de contaminação é o descarte das sobras de medicamentos (vencidos ou não) diretamente no vaso sanitário ou no lixo doméstico. Fruto da falta de orientação da população, esse hábito - que chega a ser incentivado por autoridades em saúde - potencializa os riscos de contaminação, inclusive do solo. A questão se agrava pelo fato de que apenas 36% do esgoto gerado no Brasil recebe tratamento, segundo dados recentes apurados pelo Instituto Terra Brasil. Tal prática ainda abre caminho para as intoxicações. O Ministério Público em Curitiba já recebeu reclamações de intoxicação de crianças que garimpavam em aterros sanitários com os pais e acabaram ingerindo comprimidos.
Gamarra lamenta que mesmo assim, ao contrário do que ocorre na Europa, EUA e outros países, o problema até o momento é muito pouco estudado no Brasil e, menos ainda, combatido. "Não temos acesso nem mesmo aos dados sobre consumo de medicamentos, o que seria importantíssimo para detectarmos os reais danos ambientais".
A química Eliete Lamardo, que estudou a contaminação por fármacos nos sedimentos do estuário do Porto de Santos (SP) em pós-doutorado defendido na Universidade São Paulo (USP), concorda que, até o momento, os governos parecem não se preocupar com o problema. "Não há nenhuma regulamentação que defina o descarte correto de sobras de medicamentos", reclama. Ela lembra que pesquisadores identificaram efeitos nocivos sobre peixes e bactérias e que, embora não haja consenso científico sobre os riscos ao homem, os pesquisadores advertem que muitos resíduos são potencialmente tóxicos também aos humanos, pois podem provocar, por exemplo, o desenvolvimento de câncer de mama, testicular e próstata.
Ministério Público cobra setor farmacêutico.
O coordenador das promotorias de Defesa do Meio Ambiente, Sant Clair Onorato dos Santos, informa que já exige de distribuidores e farmácias da Capital que recolham as sobras vencidas e deem a destinação adequada. A medida, segundo ele, deve ser expandida para todo o Estado. O promotor critica o fato de ‘‘não haver campanhas de esclarecimen to da população para que seja feita a devolução dos remédios vencidos''.
Em Londrina, embora não haja orientação aos usuários, os postos de saúde fazem a coleta de medicamentos vencidos. Depois, estas sobras são incineradas.
O coordenador técnico regulatório da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), Douglas Duarte, alega que o descarte indevido de medicamentos é fruto de falha de toda a cadeia mas, principalmen te, dos governos municipais. ‘‘Além de termos um número de aterros sanitários inferior ao necessário, o isolamento dos existentes não é eficaz, gerando risco de contaminação ambiental'', avalia.
Ele diz que a indústria farmacêutica estaria disposta a colaborar, mas se exime da responsabili dade de alertar seus consumidores. ‘‘Arcar com o ônus da incineração dos resíduos não é a única forma de diminuir a contaminação. Deveria ser feita uma campanha de educação dos usuários por parte do governo e dos responsáveis pela dispensação dos medicamentos''.
Quanto ao comércio de remédios fracionados, que poderia evitar sobras, o diretor diz que a indústria alterou o registro de diversos medicamentos desde 2006 para o abastecimento de farmácias autorizadas. ‘‘Caso haja aumento na demanda, haverá um consequente aumento na distribuição destes medicamentos. A orientação da população deve ser feita pelos profissionais de saúde que prescrevem e dispensam medicamentos.''
A assessoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que a discussão estaria a cargo do Ministério do Meio Ambiente que, por sua vez devolveu a responsabili dade à agência. (L.A.)
In: CLIPPING DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA - 01/09/2009 - ALANAC - INTERFARMA - SINDUSFARMA