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- Categoria: Estudo e Pesquisa
- By Fábio Reis
Descoberta de mecanismo de células-tronco embrionárias possibilitam o desenvolvimento de novos fármacos
Capazes de originar diferentes tecidos do corpo humano, as células-tronco embrionárias (CTEs) passaram a representar, na virada do século, uma esperança de tratamento para diversas condições de saúde. Mas, à medida que as pesquisas avançaram, percebeu-se que entender e controlar o comportamento dessas células seria um desafio maior que o imaginado inicialmente.
Estudos mostraram que uma mesma população de CTEs pode ser bastante heterogênea e que o potencial de pluripotência, ou seja, de se diferenciar nos mais diversos tipos celulares, poderia variar entre as células oriundas de um mesmo embrião e ainda mais entre diferentes linhagens. Descobriu-se, posteriormente, que, na medida em que a diferenciação avança, se altera no interior das células-tronco o nível de determinados microRNAs – pequenas moléculas de RNA que não codificam proteínas, mas desempenham função regulatória em diversos processos intracelulares.
Ao investigar mais detalhadamente o papel de 31 desses microRNAS observados nas CTEs humanas, pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC) de Ribeirão Preto identificaram vias de sinalização envolvidas tanto na manutenção da pluripotência como na indução do processo de diferenciação – descoberta que abre novas perspectivas para as pesquisas na área.
Resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram divulgados na revista Stem Cell Research & Therapy. O CTC é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID-FAPESP) sediado na Universidade de São Paulo (USP).
“Com base nessas informações, podemos pensar no desenvolvimento de drogas para facilitar o cultivo de CTEs em laboratório e até mesmo para fazer com que essas células regridam ao estágio mais inicial de desenvolvimento, denominado naive, no qual a capacidade de originar qualquer tipo de tecido é maior”, disse Rodrigo Alexandre Panepucci, pesquisador da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto e coordenador do trabalho.
Segundo Panepucci, de modo geral, as CTEs humanas usadas em pesquisas estão em um estágio de desenvolvimento conhecido como primed pluripotency, ainda não diferenciadas, mas com uma tendência de seguirem certos caminhos de diferenciação. São, portanto, menos versáteis do que as células-tronco embrionárias de camundongo, normalmente isoladas no estágio naive e, por isso, muito usadas como modelo de estudo.
“Há um grande interesse em trabalhar com o fenótipo naive, pois são células capazes de originar até mesmo gametas [óvulos e espermatozoides] – algo que as células primed já não podem fazer”, disse o pesquisador.
Análise em larga escala
Por apresentar uma sequência de nucleotídeos complementar, o microRNA consegue se ligar ao RNA mensageiro e fazer com que este seja degradado ou impedir sua tradução em proteína. Quando há um aumento na expressão de microRNAs na célula, portanto, significa que algum processo está sendo inibido. Identificar qual é o processo, porém, não é tarefa trivial.
“Um único microRNA pode ser capaz de se ligar a centenas ou milhares de diferentes RNAs mensageiros. Pode afetar vários alvos de uma via de sinalização e ter um efeito biológico amplo”, explicou Panepucci.
Estudar essas moléculas do ponto de vista funcional, portanto, requer ferramentas de bioinformática que possibilitem trabalhar com um grande volume de dados. O grupo do CTC adotou uma metodologia conhecida como High Content Screening (HCS, triagem de alto conteúdo), que permite analisar milhares de imagens diferentes e, assim, descobrir como cada microRNA regula o fenótipo das CTEs.
As células-tronco foram colocadas em placas contendo 96 pequenos poços de cultura. Em cada poço, foi introduzida uma molécula de microRNA sintético diferente. Após três ou quatro dias de cultivo, os pesquisadores avaliaram o efeito – seja na manutenção da pluripotência ou na indução da diferenciação.
“Usamos microscopia de fluorescência automatizada para obter milhares de imagens das células. Com base na análise desse material, estabelecemos um perfil multiparamétrico para determinar o estágio de pluripotência. Ou seja, entre centenas de parâmetros morfológicos observados nas imagens, selecionamos cerca de 10 que possibilitam classificar o estágio de diferenciação em que a célula-tronco embrionária se encontra”, explicou o pesquisador.
Além disso, o grupo mediu em cada poço o nível de duas proteínas consideradas marcadores de pluripotência – OCT4 e ciclina B1. Quanto maior é a expressão dessas moléculas, maior é o grau de pluripotência da célula.
Em seguida, os microRNAs que induziram efeitos similares nas células-tronco foram agrupados e hierarquizados por meio de uma técnica de análise conhecida como clusterização. Desse modo, foi possível organizar o grande volume de informações obtido com as análises e identificar a quais vias de sinalização cada grupo de microRNAs estava relacionado.
“Elegemos para um estudo mais aprofundado o miR-363-3p, que claramente contribui para a manutenção da pluripotência. Mostramos que o efeito de inibir a diferenciação ocorre por meio da degradação do RNA mensageiro que codifica a proteína NOTCH1”, disse Panepucci.
De acordo com o pesquisador, compostos inibidores da via de sinalização mediada por NOTCH1 podem se tornar ferramentas capazes de modular o potencial de pluripotência das CTEs, permitindo até mesmo fazer com que regridam ao estágio naive, no qual altos níveis de OCT4 e demais fatores de pluripotência estão presentes.
“O entendimento desses mecanismos de regulação da pluripotência pode levar para um novo patamar as pesquisas com CTEs e também com as células iPS [células-tronco pluripotentes induzidas, obtidas a partir de células adultas de pacientes modificadas em laboratório], das quais depende o futuro da terapia celular”, disse Panepucci.
Segundo o pesquisador, as células iPS têm a vantagem de abrigar em seu núcleo o mesmo DNA do paciente a ser tratado. Além disso, por serem derivadas de células adultas em vez de embriões humanos, não existem limitações éticas para sua aplicação na medicina. “No entanto, as células-tronco embrionárias ainda são o melhor modelo para se estudar a pluripotência”, afirmou.
A pesquisa que originou o artigo publicado na Stem Cell Research & Therapy foi conduzida durante o doutorado de Ildercílio Mota de Souza Lima, bolsista FAPESP. Atualmente, durante o mestrado de Amanda Cristina Corveloni, o grupo investiga mais profundamente os mecanismos moleculares envolvidos na transição entre o estado primed e naive de CTEs.
O artigo High-content screen in human pluripotent cells identifies miRNA-regulated pathways controlling pluripotency and differentiation, de Ildercílio Mota de Souza Lima, Josiane Lilian dos Santos Schiavinato, Sarah Blima Paulino Leite, Danuta Sastre, Hudson Lenormando de Oliveira Bezerra, Bruno Sangiorgi, Amanda Cristina Corveloni, Carolina Hassibe Thomé, Vitor Marcel Faça, Dimas Tadeu Covas, Marco Antônio Zago, Mauro Giacca, Miguel Mano e Rodrigo Alexandre Panepucci, pode ser lido em: https://stemcellres.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13287-019-1318-6.
Fonte: Karina Toledo | Agência FAPESP
Foto: Luis Henrique Rimel - Hemocentro RP