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- Categoria: Estudo e Pesquisa
- By Fábio Reis
Cientistas avaliam usar enzima abundante em células tumorais para monitorar tratamento do câncer
Após 14 anos estudando a ação da proteína LMWPTP em células tumorais, pesquisadores da Unicamp concluem que a molécula está ligada à resistência ao tratamento quimioterápico e ao desenvolvimento de metástase (imagem: tirosina fosfatase/Wikimedia Commons)
A presença abundante de uma proteína conhecida como tirosina fosfatase de baixo peso molecular (LMWPTP) em células tumorais vem sendo apontada como indicador de agressividade e de potencial metastático. Sabe-se que, em condições normais, a LMWPTP tem funções importantes nas células, participando tanto do processo de proliferação quanto da regulação de sistemas intracelulares. Já sua ação pró-cancerígena ainda está sendo desvendada.
Um grupo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ligado ao Laboratório de Bioensaios in vitro e Transdução de Sinal e liderado pela professora Carmen Veríssima Ferreira Halder, estuda a possibilidade de inibir essa fosfatase e, assim, criar novas possibilidades de monitoramento e de tratamento do câncer e outras enfermidades.
“Acreditamos que a inibição dessa enzima pode favorecer o tratamento de diferentes doenças. No nosso caso, o foco é o câncer, mas estudos mostram que ela também está ligada a doenças autoimunes e ao diabetes, entre outras”, revela a professora, que coordenou o Projeto Temático “Proteína tirosina fosfatase de baixo peso molecular em câncer de cólon retal: da bancada à geração de produto”, apoiado pela FAPESP e concluído em junho.
Segundo a cientista, a fosfatase acaba favorecendo a ação de proteínas intratumorais que ajudam o tumor a se dividir, a migrar e a estabelecer metástase. “Por isso, dizemos que ela é um hub, ou seja, controla vários processos que, em conjunto, fazem com que a célula tumoral seja resistente ao tratamento e tenha a capacidade de migrar, estabelecendo a metástase.”
Recentemente, o grupo publicou um artigo de revisão sobre o tema na revista Cellular and Molecular Life Sciences, no qual é compilada a contribuição dos 14 anos de estudo da ação da LMWPTP sobre o câncer. “Nosso grupo foi um dos primeiros a mostrar que essa enzima contribuía para a resistência de células leucêmicas a quimioterápicos. Observamos também que, quanto mais grave a fase do tumor, maior a quantidade dessa enzima. A partir dessas descobertas, trabalhos desenvolvidos em conjunto com o grupo do professor Maikel Peppelenbosch, do Erasmus Medical Center, na Universidade de Rotterdam (Países Baixos), permitiram a validação da relevância da LMWPTP em outros tumores, como próstata, colorretal e estômago. Neles, descobrimos que, além da menor resposta a quimioterápicos, a LMWPTP também está associada a maior capacidade de metástase.”
Potencial farmacológico
No artigo de revisão, que tem como primeira autora Alessandra Valéria de Sousa Faria, o grupo também faz um apanhado das substâncias já disponíveis para inibir a LMWPTP, e apontamentos sobre seu potencial farmacológico. Halder acredita que, por enquanto, ainda não é possível falar em tratamentos com base na inibição da LMWPTP, mas a estratégia já pode ser usada para outros fins.
“Nosso objetivo inicialmente é usar essa enzima como biomarcador, pensando no monitoramento do tratamento, e também para classificar os pacientes em relação à gravidade da doença. Creio que isso é possível em tempo relativamente curto. Quanto ao tratamento, dependemos ainda de várias etapas. O professor Nunzio Bottini, da Universidade da Califórnia em San Diego [Estados Unidos], depositou uma patente de substância inibidora bastante completa, em que já avaliou o potencial de uso desses inibidores de forma oral. Na verdade, o grupo dele sintetizou uma série de inibidores, mas publicou apenas um. Pode até ser que tenhamos uma surpresa, e que um fármaco seja desenvolvido mais rapidamente, quem sabe”, sugere Halder.
Segundo ela, os grandes desafios para o desenvolvimento de fármacos inibidores da enzima são a especificidade (ou seja, a criação de um fármaco que atue especificamente na LMWPTP, que é parte de uma família de cerca de cem fosfatases muito parecidas), e a estabilidade, para que os inibidores se mantenham ativos no meio corporal. “Até antes do grupo do Bottini desenvolver sua patente, todos os inibidores criados agiam em várias enzimas da família.”
Entre as substâncias citadas no trabalho de revisão, há algumas que foram desenvolvidas para outras finalidades, mas que também têm efeito inibidor da LMWPTP, e podem ter potencial farmacológico no tratamento de câncer, esclarece Faria. Ela defendeu recentemente seu doutorado com um trabalho sobre a influência da enzima LMWPTP nas plaquetas, células importantes para o processo de coagulação.
Plaquetas
Faria começou investigando o papel da LMWPTP em tumor colorretal e a reação das plaquetas nesse microambiente. “Mas, conforme fomos estudando a biologia das plaquetas, percebemos que havia muito ainda a saber sobre a ação da LMWPTP nessas células.”
A primeira parte do estudo consistiu em verificar a ação da LMWPTP e também da enzima PTP 1B nas plaquetas, tanto no tocante ao metabolismo quanto no que diz respeito à função dessas células, responsáveis pela coagulação sanguínea. Em um segundo momento, a cientista investigou a influência das plaquetas na expressão da LMWPTP nas células.
“O objetivo era saber até que ponto a célula tumoral pode educar uma plaqueta a suportar determinados eventos, como uma metástase, por exemplo, e, do lado oposto, o quanto a plaqueta consegue educar a célula tumoral para garantir sua sobrevivência e proliferação”, resume.
Segundo Halder, tudo indica que essa relação é uma via de mão dupla. “Mas, neste caso, muito provavelmente, quem tem a ação predominante é a célula tumoral, que praticamente programa a plaqueta a trabalhar a seu favor.”
Colaborações
Halder explica que a colaboração com o professor Maikel Peppelenbosch acontece desde 2004, mas somente em 2016 foi dado início ao Projeto Temático concluído em junho. Ela ressalta que os experimentos conduzidos pelas cientistas Emanuella Maria Barreto Fonseca e Cláudia de Lourdes Soraggi no laboratório de Peppelenbosch foram cruciais para fundamentar as hipóteses iniciais do projeto. Fonseca foi bolsista de pós-doutorado da FAPESP e Soraggi participou de Treinamento Técnico Internacional por meio da Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais da Unicamp.
“No Temático, conseguimos abordar diferentes ângulos da ação dessa fosfatase e validar a hipótese de seu papel em outros tumores, além da leucemia mieloide crônica. Queríamos mostrar o mecanismo pelo qual a enzima atua e, hoje, temos muita informação sobre sua ação dentro e fora do tumor, porque exploramos se a LMWPTP também teria influência fora da célula cancerígena, no microambiente tumoral.”
Com esse intuito, o grupo focou ainda, durante o projeto, as vesículas extracelulares (estruturas muito pequenas que medeiam a comunicação entre as células), em um estudo conduzido por Stefano Piatto Clerici, com bolsa FAPESP, em que se constatou que a LMWPTP também regula essas estruturas; as plaquetas, com o trabalho de Faria, também apoiado por uma bolsa FAPESP; e a via de Sinalização do TGF-beta, uma proteína que controla funções como a proliferação e a diferenciação celular, em um trabalho de Helon Guimaraes Cordeiro.
Segundo a professora, desse modo, a rede de colaboradores foi ampliada e a equipe agregou uma especialista no estudo da biologia plaquetária (Sheila Siqueira Andrade, da PlateInnove Biotech), mais um hematologista e um oncologista do Erasmus Medical Center, da Universidade de Rotterdam (respectivamente Moniek Maat e Gwenny Fuhler).
Halder afirma que o Temático gerou 15 publicações (oito artigos publicados, dois capítulos de livros e mais cinco artigos em fase de revisão), além de permitir a abertura de diferentes frentes de pesquisa, e que já está concebendo um novo projeto, na mesma linha de investigação.
Por Karina Ninni | Agência FAPESP