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- Categoria: Saúde
- By TelessaúdeRS-UFRGS
Quando suspeitar de leptospirose?
Devemos suspeitar de leptospirose quando o paciente apresentar febre de início abrupto, mialgia intensa, cefaleia, anorexia, náuseas e vômitos. Podem ocorrer também diarreia, artralgia, hiperemia ou hemorragia conjuntival, fotofobia, dor ocular e tosse [1,2]. A definição de caso suspeito de leptospirose está apresentada no Quadro 1 [1,2].
Em situações de desastres climáticos, utiliza-se a definição de caso suspeito mais sensível para a doença descrita no Quadro 1 [3].
Quadro 1 – Definição de caso suspeito de leptospirose
Definição de caso suspeito de leptospirose | |
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Pessoa com febre, cefaleia e mialgia E pelo menos um dos critérios a seguir: | Critério 1: Presença de antecedentes epidemiológicos sugestivos nos 30 dias anteriores à data de início dos sintomas, como: – exposição a enchentes, alagamentos, lama ou coleções hídricas; – exposição a fossas, esgoto, lixo e entulho; – atividades que envolvam risco ocupacional, como coleta de lixo e de material para reciclagem, limpeza de córregos, trabalho em água ou esgoto, manejo de animais e agricultura em áreas alagadas; – vínculo epidemiológico com um caso confirmado por critério laboratorial; – residência ou local de trabalho em área de risco para leptospirose. OU |
Critério 2: Presença de pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas: – icterícia; – aumento de bilirrubinas; – sufusão conjuntival; – fenômeno hemorrágico; – sinais de insuficiência renal aguda*. |
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Definição mais sensível de caso suspeito de leptospirose | |
Em situações de desastres climáticos: indivíduo que apresenta febre e mialgia, especialmente na região lombar e panturrilha, e que teve contato com água ou lama da inundação no período de até 30 dias anteriores ao início dos sintomas. |
Fonte: TelessaúdeRS-UFRGS (2024), adaptado de Ministério da Saúde (2023, 2024) [2,4].
*A insuficiência renal aguda é uma complicação da fase tardia da leptospirose e ocorre em 16% a 40% dos casos. Geralmente é não oligúrica e hipocalêmica. Durante o estágio inicial, o débito urinário é normal ou elevado, os níveis séricos de creatinina e ureia aumentam, e os pacientes podem desenvolver hipocalemia moderada a grave. Com a perda progressiva do volume intravascular, os pacientes desenvolvem insuficiência renal oligúrica devido à azotemia pré-renal. Nesse estágio, os níveis de potássio começam a subir para valores normais ou elevados. Devido à perda contínua de volume, os pacientes podem desenvolver necrose tubular aguda e não irão responder à reposição intravascular de fluidos, necessitando de início imediato de diálise (em 4-6 horas) para tratamento da insuficiência renal aguda.
A sufusão conjuntival é um achado característico da leptospirose que pode auxiliar a diferenciá-la de outras doenças febris agudas e é observado em cerca de 30% dos pacientes [1,2]. Esse sinal aparece no final da fase precoce da doença e é caracterizado por hiperemia e edema da conjuntiva ao longo das fissuras palpebrais [1,2]. Com a progressão da doença, os pacientes também podem desenvolver petéquias e hemorragias conjuntivais [1,2]. Na Figura 1 observam-se sufusão conjuntival e hemorragia subconjuntival em paciente com leptospirose [5].
Sufusão conjuntival e hemorragia subconjuntival
Exantema é menos frequente, ocorre em 10% a 20% dos pacientes e apresenta componentes de eritema macular, papular, urticariforme ou purpúrico, distribuídos no tronco ou região pré-tibial [1,2]. Hepatomegalia, esplenomegalia e linfadenopatia podem ocorrer, mas são achados menos comuns, acontecendo em menos de 20% dos casos [1].
Nenhum dos sinais clínicos da fase precoce da doença é suficientemente sensível ou específico na diferenciação da leptospirose de outras causas de febre aguda [1,2]. Por isso, é importante obter dos casos suspeitos uma história sobre exposição epidemiológica de risco nos últimos 30 dias que possa auxiliar no diagnóstico clínico da leptospirose. Deve-se atentar para diagnósticos diferenciais como dengue, influenza, malária e hepatites virais agudas [1,2]. Os principais diagnósticos diferenciais da leptospirose em contexto de inundações e enchentes estão descritos no Quadro 2.
Quadro 2 – Principais características clínicas e laboratoriais de leptospirose, dengue e hepatite A
Característica | Leptospirose precoce¹ | Leptospirose tardia² | Dengue grupos A/B³ | Hepatite A | |
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Febre | Intensidade | Alta (>38ºC) |
Alta (>38ºC) |
Alta (>38ºC) |
Baixa |
Duração | 7-14 dias | 7-14 dias | 2-7 dias | 5-7 dias | |
Exantema | Raro | Raro | Frequente (3º- 6º dia) |
Ausente | |
Mialgia | Frequente (mais em panturrilhas) |
Frequente (mais em panturrilhas) |
Frequente | Raro | |
Artralgia (frequência) | Raro | Raro | Moderado | Raro | |
Edema articular | Ausente | Ausente | Raro | Raro | |
Sufusão conjuntival | Moderado | Moderado | Raro | Ausente | |
Icterícia | Ausente | Frequente | Ausente | Frequente (adultos) |
|
Náuseas/vômitos/diarreia | Frequente | Frequente | Frequente | Frequente | |
Dor abdominal | Raro | Frequente | Raro | Frequente | |
Hepatomegalia | Raro | Raro | Ausente | Frequente | |
Cefaleia | Frequente | Frequente | Frequente | Raro | |
Linfonodomegalia | Raro | Raro | Raro | Ausente | |
Hemorragia | Raro | Frequente | Raro | Raro | |
Acometimento neurológico | Ausente | Presente | Ausente | Presente (grave) |
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Dispneia/hemoptise | Ausente | Presente | Ausente | Ausente | |
Contagem de leucócitos | Leucocitose | Leucocitose | Leucopenia | Variável | |
Linfopenia (frequência) | Moderado | Moderado | Raro | Variável | |
Plaquetas ≤140.000/mm³ | Ausente | Frequente | Frequente | Raro | |
Potássio <3,6mmol/L | Raro | Frequente | Ausente | Raro | |
Creatinina >1,3mg/dL | Raro | Frequente | Raro | Raro | |
Elevação de ALT/AST⁴ | Leve | Leve/moderada | Leve | Moderada/grave |
Fonte: TelesssaúdeRS-UFRGS (2024), adaptado de Ministério da Saúde (2014, 2023) Lai e Chopra (2024), Dynamed (2024), Akarsu et al. (2008) e Mount (2022) [1,5–12].
ALT: alanina aminotransferase; AST: aspartato aminotransferase.
¹Fase precoce: início abrupto de febre, comumente acompanhada de cefaleia, mialgia, anorexia, náuseas e vômitos. Podem ocorrer diarreia, artralgia, hiperemia ou hemorragia conjuntival, fotofobia, dor ocular e tosse. Corresponde a 85% a 90% das formas clínicas. Tende a ser autolimitada e regride entre 3 e 7 dias sem deixar sequelas [2].
²Fase tardia: ocorre em 15% dos pacientes com leptospirose; ocorre a evolução para manifestações clínicas graves, que se iniciam após a 1ª semana da doença, mas podem aparecer antes, especialmente em pacientes com apresentações de quadros clínicos fulminantes. A manifestação clássica é a síndrome de Weil, caracterizada pela tríade de icterícia, insuficiência renal e hemorragia (mais comumente pulmonar) [2].
³Casos de dengue sem sinais de alarme e sem sinais de gravidade. Sinais de alarme: dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua; vômitos persistentes; acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico), hipotensão postural e/ou lipotimia, hepatomegalia maior que 2cm do rebordo costal; sangramento de mucosas; letargia e/ou irritabilidade; aumento progressivo do hematócrito. Sinais de gravidade: extravasamento grave de plasma, levando ao choque evidenciado por taquicardia; extremidades distais frias; pulso fraco e filiforme; enchimento capilar lento (>2 segundos); pressão arterial convergente (<20mmHg); taquipneia; oliguria (<1,5mL/kg/h); hipotensão arterial (fase tardia do choque); cianose (fase tardia do choque); acumulação de líquidos com insuficiência respiratória; sangramento grave; comprometimento grave de órgãos [13].
⁴Leve: até 2x o limite superior da normalidade (LSN); moderada: entre 2 e 10x o LSN; grave: acima de 10x o LSN [14].
O curso clínico da leptospirose é variável, desde formas assintomáticas e oligossintomáticas até quadros clínicos graves associados a manifestações fulminantes [1,2]. O período de incubação da doença varia de 1 a 30 dias, sendo mais frequente entre 5 e 14 dias [1,2].
Em cerca de 15% dos pacientes com leptospirose ocorre a evolução para manifestações clínicas graves [2], classicamente conhecidas como síndrome de Weil, caracterizada pela tríade de icterícia, insuficiência renal e hemorragias, mais comumente pulmonar [1,2]. Entretanto, essas manifestações podem se apresentar concomitantemente ou isoladamente na fase tardia da doença [1,2].
A hemoptise franca indica extrema gravidade e pode ocorrer de forma súbita, levando à insuficiência respiratória (síndrome da hemorragia pulmonar aguda e síndrome da angústia respiratória aguda – SARA) e ao óbito [1,2]. Na maioria dos pacientes, porém, a hemorragia pulmonar maciça não é identificada até que uma radiografia de tórax seja realizada ou que o paciente seja submetido à intubação orotraqueal [1,2]. Assim, deve-se manter alta suspeição para a forma pulmonar grave da leptospirose em pacientes que apresentem febre e sinais de insuficiência respiratória, independentemente da presença de hemoptise [1,2]. Além disso, a leptospirose pode causar SARA na ausência de sangramento pulmonar [1,2].
Casos com suspeita clínica e epidemiológica (Quadro 1) devem iniciar antibioticoterapia específica e realizar notificação de forma imediata para a coleta de exame sorológico específico, conforme orientação da vigilância epidemiológica local [2,4].
Hemograma completo, AST/TGO, ALT/TGP, fosfatase alcalina, creatinoquinase, sódio, potássio, creatinina, ureia, bilirrubina total e frações são importantes para o acompanhamento da evolução da doença e devem ser solicitados sempre que possível [1,2]. Se necessário, devem ser solicitados radiografia de tórax, eletrocardiograma e gasometria arterial [2]. Solicitar exame de anti-HAV IgM para diagnóstico diferencial com hepatite A. A antibioticoterapia está indicada em qualquer período da doença, devendo ser iniciada já na suspeita clínica, pois sua eficácia é maior na primeira semana do início dos sintomas [1,2]. Para informações sobre o tratamento da leptospirose, clique aqui.
Se houver presença de sinais de alerta (dispneia, tosse, taquipneia, oligúria, fenômenos hemorrágicos, escarro hemoptoico, hipotensão, alteração no nível de consciência, vômitos frequentes, arritmias ou icterícia), o paciente deve ser encaminhado para emergência [2].
A leptospirose é uma zoonose causada por uma espiroqueta do gênero Leptospira [1]. Este organismo infecta uma grande variedade de animais domésticos e selvagens, entre eles mamíferos, especialmente roedores, mas também suínos, cães, cavalos, ovelhas e cabras [1,5]. Os animais podem ser assintomáticos ou desenvolver doença clínica [1,5].
Roedores são o reservatório mais comum. Após a infecção eles eliminam, de forma intermitente, o organismo na urina, resultando em contaminação do ambiente, especialmente água [1,5]. A infecção humana em geral resulta da exposição a fontes ambientais contaminadas com a urina, especialmente água contaminada [1,5]. Portas de entrada incluem pele com ferimentos ou abrasões, membranas mucosas e conjuntiva [1]. No entanto, se o contato for prolongado, a bactéria também pode penetrar na pele íntegra. Nos casos confirmados da doença, devem-se tomar medidas de controle de roedores [2]. Em situações de desastres naturais, como nas enchentes, indivíduos ou grupos de pessoas que entraram em contato com lama ou água de enchente podem se infectar e manifestar sintomas da doença [1].
Referências
- Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Leptospirose: diagnóstico e manejo clínico [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014 [citado 7 de maio de 2024]. 44 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/leptospirose-diagnostico-manejo-clinico2.pdf.
- Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde e Ambiente. Guia de vigilância em saúde [Internet]. 6o ed. Vol. 3. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2023 [citado 7 de maio de 2024]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_saude_6ed_v3.pdf.
- Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Departamento de Doenças Transmissíveis, Coordenação Geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial. Nota Técnica no 26/2024-CGZV/DEDT/SVSA/MS. Reforça estratégias de suspeição da leptospirose, diagnóstico e tratamento oportunos e esclarece sobre a quimioprofilaxia em cenários de desastres climáticos. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2024.
- Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Departamento de Doenças Transmissíveis. Nota Técnica no 16/2024-CGZV/DEDT/SVSA/MS. Reforça estratégias para a suspeição de casos e apresenta recomendações de conduta clínica e terapêutica para a leptospirose, especialmente durante o período de chuvas e em ocasião do aumento de dengue e outras arbovirores no país [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2024/nota-tecnica-no-16-2024-cgzv-dedt-svsa-ms.
- Kittle N, Lierman C, DeChant A. Eye changes after recent international travel. Am Fam Physician. 2017;96(12):807–8.
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Texto por Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia. TelessaúdeRS-UFRGS. Quando suspeitar de leptospirose? Porto Alegre: TelessaúdeRS-UFRGS; 3 Jan 2022 [citado em dia, mês abreviado e ano]. Disponível em:https://www.ufrgs.br/telessauders/perguntas/leptospirose/.