agente comunitario saude

Artigo por: Yula de Lima Merola – Farmacêutica, Especialista em Farmácia Clinica e Gestão Ambiental, Doutora em Ciência, atua há mais de 15 anos na Gestão Pública e na área acadêmica. Presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de Minas Gerais de 2018-2019.
Lucas Leonardo Menezes Della Testa – Administrador Público, Especialista em Governanaça Pública e em Políticas Públicas, atua há mais de 15 anos com programas de saúde governamental.

 

Desde que o assunto pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil, prontamente a imprensa noticiou muita informação a respeito da disponibilidade da atenção de saúde em nível de tratamento intensivo, a necessidade de disposição de leitos equipados, em especial com respiradores, e, a partir disso, vimos uma corrida de gestores públicos para equipar suas UTIs, ampliando oferta de leitos e equipes para tal.

Pouca importância foi dada para o que, na nossa opinião, é o maior alicerce em saúde pública, não só para evitar precocemente a disseminação de doenças mas também para se produzir informação em saúde pública, que é o trabalho na atenção primária.

Há quase 20 anos o Governo Federal instituiu o Programa de Saúde da Família, uma política pública que foi planejada para ser a maior e mais enriquecedora experiência para que o Brasil desse um salto de qualidade na assistência a saúde, não somente pela óbvia necessidade de trabalhar prevenção, mas principalmente para que o Estado CONHEÇA SUA POPULAÇÃO.

E porquê é tão importante conhecer a população? Pois em epidemiologia, por exemplo, é necessário, antes de qualquer ação, empreender esforços para rastrear e isolar um possível vírus, evitando a contaminação em larga escala. Controle é tudo quando se fala em saúde, afinal nosso organismo é tão privilegiado que ele é capaz de dar combater a maioria das enfermidades, desde que diagnosticadas no início e orientadas por profissionais da área.

Atualmente se fala muita em Medicina baseada em evidências, aí nós indagamos como gerar evidências se a rotatividade de profissionais na ponta do SUS é enorme? A solução foi pensada lá atrás, no início dos anos 2000. Basta ter profissionais que possuam sólido vínculo com aquela comunidade, o que se entendeu como saúde da família.

Esse então programa recebeu investimentos altos do Governo Federal, e coube aos municípios utilizarem esses investimentos para contratarem e treinarem equipes de saúde da família, que até dependem dos médicos, mas iniciam lá nos Agentes Comunitários de Saúde, profissionais esses que são selecionados na própria comunidade, para atuar visitando as casas das pessoas e, com isso, podendo produzir informações diversas que gerarão todo o planejamento em saúde daquele município. Assim, o Programa se tornou de fato uma estratégia.

O que vimos, na última década especialmente, foi uma precarização e desvalorização dessa estratégia e principalmente desses profissionais, que são mais de 300 mil no país, e que deveriam ter sido os primeiros a serem chamados para conter a disseminação do COVID-19, afinal conhecem os habitantes, sabem quem tem comorbidades, quem tem problemas de saneamento, quem depende de deslocamentos e mesmo conhece as eventuais resistências a mudança de hábitos.

Em estudos recentes da Fundação Getúlio Vargas, coordenado pela professora Gabriela Lotta1, foi identificado que esses são os profissionais mais mal remunerados e mais desassistidos nos aspectos de saúde ocupacional e também de capacitação. Sendo que muitos dos mais de 5 mil municípios brasileiros, praticamente abandonaram essa estratégia como ela deve ser feita, que é levar a saúde para a casa das pessoas.

Preocupante ainda é falta de coordenação governamental, que no caso do COVID-19 demorou muito a definir protocolos, fazendo com que esses profissionais ficassem até impossibilitados de exercer seu trabalho, numa total insegurança, que foi sentida pelas comunidades mais vulneráveis das grandes cidades, onde os casos letais foram maiores. Em se tratando de um vírus, a territorialidade da disseminação era a informação mais valiosa e só seria identificada com identificação dos sintomas precocemente e testagem da população, algo que deveria ter sido feita pelos ACS.

Poderiam trabalhar com teleatendimento? Sim. Mas não o investimento prioritário.

Os EPIs, em grande escala foram direcionados para os setores de atendimento emergencial, logo o mercado inflou os preços e os equipamentos de segurança demoraram a chegar até a atenção primária.

Muitos municípios criaram barreiras nas entradas das cidades, porém essas barreiras nem sempre contaram com profissionais de saúde, como o caso de Poços de Caldas-MG, onde essas barreiras em princípio eram coordenadas por agentes de segurança, que desconhecem os fluxos das comunidades e também não estão preparados para atuar com orientação e prevenção em saúde.

Enfim, concluímos que em grande parte dessa tragédia, que já ceifou mais de 120 mil vidas no Brasil (dado de 30 de agosto de 2020), se deve a falta de coordenação do Ministério da saúde com os demais entes federados e gestores do SUS, que desconsideraram (ou deixaram em segundo plano) essa importante estratégia de saúde pública.

 

1. Lotta, Gabriela Spanghero. (2012). Saberes locais, mediação e cidadania: o caso dos agentes comunitários de saúde. Saúde e Sociedade, 21(Suppl. 1), 210-222

* Imagem: divulgação/Prefeitura de Araxá