câncer de mama 

Em artigo publicado no Journal of Pineal Research, pesquisadores da Unesp e colaboradores descrevem um conjunto de genes potencialmente regulados pelo “hormônio do sono” em alguns tipos de tumores.

 

 

Estudo brasileiro publicado no Journal of Pineal Research descreve um conjunto de genes potencialmente regulados pelo hormônio melatonina em alguns tipos de tumores – particularmente no de mama. Segundo os autores, os resultados poderão orientar futuras terapias personalizadas para a doença.

“Alguns tipos específicos de tumores parecem ter uma relação direta com a quantidade de melatonina produzida pelas células. Identificar como esse hormônio intervém na sinalização molecular em nível genético é essencial para orientar terapias personalizadas com base na melatonina”, diz Luiz Gustavo Chuffa, professor do Instituto de Biociências de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista (IBB-Unesp).

O estudo foi apoiado pela FAPESP e contou com a participação de pesquisadores da Unesp, da Universidade Estadual do Norte do Paraná (Uenp), da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e da University of Texas Health Science Center, em San Antonio (Estados Unidos).

Conhecida como hormônio do sono, por ter entre suas funções a calibração do relógio biológico, a melatonina demonstrou propriedades antitumorais em ensaios laboratoriais. Evidências da literatura científica indicam que baixos níveis do hormônio estão associados a risco aumentado de câncer. Uma possível explicação para esse fenômeno seria o efeito da melatonina na modulação da expressão gênica – ela poderia, por exemplo, aumentar a atividade de genes supressores de tumores.

“A maioria das células tumorais tem baixos níveis de melatonina. Porém, quando são tratadas com esse hormônio nos testes in vitro, ocorre um aumento na taxa de morte celular e, por outro lado, queda na taxa de proliferação – importantes mecanismos para evitar a progressão e metástase tumoral. Já existem ensaios clínicos em andamento que avaliam a terapia com a melatonina. Como existem tratamentos específicos para os diferentes subtipos de câncer de mama, é provável que alguns pacientes possam responder bem a tratamentos alternativos à base de melatonina e outros não”, afirma o pesquisador à Agência FAPESP.

 

Em busca dos genes-alvo

Para identificar marcadores moleculares capazes de orientar a terapia do câncer, os pesquisadores realizaram um primeiro estudo baseado em metanálise (técnica estatística que permite integrar o resultado de diversos estudos já publicados) para investigar como a melatonina regula a expressão de microRNAs em sete tipos tumorais – mama, cabeça e pescoço, fígado, estômago, próstata, sistema nervoso central, cólon e reto.

MicroRNAs são pequenas moléculas de RNA que não codificam proteína, mas desempenham função regulatória no genoma ao controlar a expressão de genes e, por consequência, diversos processos celulares.

“Nessa primeira etapa, encontramos 14 estudos bastante recentes que associavam a melatonina com a alteração na expressão de microRNAs. Para os sete tipos de tumores que estávamos analisando, encontramos 46 microRNAs com expressão alterada”, diz.

A partir da relação entre os microRNAs e seus alvos de regulação, os pesquisadores realizaram análises de bioinformática para identificar vias associadas à ação hormonal em células tumorais. As redes regulatórias e as interações moleculares foram geradas e analisadas em colaboração com os pesquisadores Robson Francisco Carvalho, Luis Antonio Justulin e Sarah Santiloni.

“Ao cruzar as informações com o banco de dados público The Cancer Genome Atlas [TCGA], identificamos os genes-alvo desses 46 microRNAs com expressão alterada”, conta Chuffa.

Com esses dados foi possível identificar a ação da melatonina em diversas vias de sinalização celular. “Esses genes-alvo da melatonina estavam relacionados a processos biológicos importantes no câncer, como regulação do ciclo celular, morte e migração celular e senescência. A melatonina parece ter uma ação maior nos tumores de mama, oral e gástrico, enquanto os tumores de próstata, colorretal e glioblastoma mostraram poucas mudanças induzidas pelos microRNAs descritos”, explica.

Como o câncer de mama foi o tipo tumoral com mais genes e microRNAs envolvidos nessa primeira etapa do estudo, os pesquisadores compararam os genes-alvo dos microRNAs com os dados obtidos por RNA-seq de tumores de mama em camundongos tratados com melatonina.

A técnica de RNA-seq faz parte do conjunto de estratégias conhecido como sequenciamento genético de nova geração e tem como principal vantagem a possibilidade de medir a expressão de vários genes ao mesmo tempo. Com isso, é possível obter o transcriptoma, ou seja, o conjunto completo de moléculas de RNA expressas em um tecido.

Essas análises foram realizadas com a parceria de Débora Aparecida Pires de Campos Zuccari e Bruna Victorasso Jardim-Perassi, pesquisadoras da Famerp.

“Nos animais tratados com 40 miligramas de melatonina houve o enriquecimento de vias de sinalização relacionadas ao sistema imune e apoptose e diminuição das vias relacionadas à agressividade e metástase tumoral”, diz.

O grupo também investigou determinadas proteínas (fatores de transcrição e quinases) ativas em processos celulares como transcrição e ciclo celular. “O objetivo dessa parte do estudo foi encontrar alvos comuns nos processos celulares e no banco público de dados de câncer de mama”, diz.

De acordo com Chuffa, os genes regulados pela melatonina no câncer de mama podem ser explorados como potenciais alvos para o tratamento da doença.

“Dado que a melatonina é uma molécula multitarefa, atuando em vários substratos celulares, agora estamos aprofundando esse estudo para compreender como esse hormônio interfere na expressão dos microRNAs e, por consequência, na regulação dos mecanismos celulares identificados”, diz.

O artigo A meta-analysis of microRNA networks regulated by melatonin in cancer: Portrait of potential candidates for breast cancer treatment (doi: 10.1111/jpi.12693) pode ser lido em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jpi.12693

 

Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP