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- Categoria: Estudo e Pesquisa
- By Fábio Reis
Imunoterapia pode substituir quimioterapia no combate ao câncer
Há mais de um século, o cirurgião nova-iorquino William Coley observou que os tumores que continham em si alguma infecção tendiam a regredir. As bactérias ou vírus presentes na região onde as células estavam se multiplicando desordenadamente alertavam o sistema imunológico, que até então não havia detectado a anomalia em curso. Os cientistas acreditam ser bastante possível que as nossas defesas barrem o avanço de muitos tumores antes mesmo de eles serem detectáveis; aquilo que conhecemos como câncer seriam os casos em que as células malignas terão driblado o nosso sistema imunológico, conseguindo se espalhar às escondidas dele por meio de diversos mecanismos.
Coley fez experiências a partir dessa concepção injetando estreptococos nos tumores a fim de chamar a atenção do sistema de defesa do corpo. Obteve algum sucesso com isso, mas na maior parte dos casos o que houve foi um grande fracasso, pois a toxicidade da bactéria acabava causando mais problemas do que soluções. A pesquisa contra o câncer, então, buscou novos caminhos. Criaram-se tratamentos terrivelmente agressivos, porém mais eficazes, como a quimioterapia, que intoxica as células a fim de matá-las, e a radioterapia, que faz algo semelhante, mas de modo mais focado.
Os efeitos colaterais e a ausência de uma solução definitiva contra o câncer levaram a que a ideia do estímulo ao sistema imunológico, que sempre permanecera latente, voltasse a ganhar força há alguns anos. Os avanços realizados nas pesquisas iniciais fizeram com que essa técnica ganhasse destaque, pela prestigiosa revista Science, como o achado científico de 2013. Desde então, esse campo avançou bastante. Até três anos atrás, apenas 1% dos estudos apresentados no congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) tinham como base esse tipo de metodologia; essa taxa subiu para 10% no ano seguinte e chegou a 25% dos trabalhos que tratavam da imunoterapia no último congresso.
Esse crescimento exponencial fornece uma pista a respeito de por onde caminha a pesquisa sobre o câncer. Duas disciplinas que praticamente se davam as costas durante anos (a oncologia e a imunologia) agora caminham de mãos dadas, a tal ponto que esses tratamentos oncológicos foram um dos temas de maior destaque no Congresso Internacional de Imunologia realizado na semana passada em Melbourne (Austrália).
Criaram-se tratamentos terrivelmente agressivos, porém mais eficazes, como a quimioterapia e a radioterapia.
Embora os tratamentos imunológicos ainda tenham caráter experimental, a técnica já é uma realidade relativamente consagrada em outros casos. Um exemplo presente é o de Susanne Harris, que viu surgir em seu corpo, há cerca de nove anos, um melanoma que não desaparecia com o uso das terapias convencionais. Em 2013, ela participou daquilo que ainda era uma experiência. A cada três meses, ela ia de Melbourne, onde vivia com o marido, até Sidney, onde lhe injetavam, durante meia hora, um medicamento chamado Keytruda. Em menos de dois meses, o tumor já dava sinais de regressão. Passados 12 meses, já era quase impossível detectá-lo. Em novembro próximo, ela completará um ano sem tratamento, e o tumor desapareceu, como foi possível visualizar no seu exame mais recente, que confirmou todos os anteriores. “Tudo isso sem nenhum efeito colateral”, conta ela, emocionada.
Seu caso não é isolado, tampouco apenas uma curiosidade específica. Trata-se de um dentre centenas de casos que alimentam a evidência da eficácia desse tratamento. Embora as provas de que ele pode dar certo sejam bastante contundentes, também o são as da sua seletividade. Ele surtiu efeitos apenas em 24% dos pacientes. Jonathan Cebon, diretor do Instituto de Pesquisa do Câncer Olivia Newton-John – que participou das experiências que salvaram a vida de Harris –, admite que um dos maiores desafios é entender por que a imunoterapia funciona apenas em algumas pessoas.
Duas disciplinas que praticamente se davam as costas durante anos (a oncologia e a imunologia) agora avançam de mãos dadas.
No caso do melanoma, em especial, ela traz grandes esperanças, beneficiando-se do escasso êxito obtido pela quimioterapia e pela radioterapia nesse tipo de câncer. Seis tratamentos já foram aprovados pela FDA norte-americana. Cebon afirma que, considerando-os como um conjunto, sua eficácia chega a 80%. “Mas são dados que estão em constante movimento em função dos avanços que vão se apresentando”, pondera.
Embora todos os tratamentos com imunoterapia estejam calcados em ajudar as próprias defesas do organismo a localizarem e erradicarem o câncer, há, também, vários mecanismos de ação. No caso do Keytruda, a sua ação consiste em neutralizar uma proteína da superfície das células cancerígenas conhecida como PD1, que faz com que os linfócitos não lutem contra elas. Uma boa parcela da pesquisa oncológica passa pela ideia de neutralizá-las, para que o organismo consiga acabar com os tumores.
Outras técnicas consistem em extrair glóbulos brancos do paciente, seja do próprio tumor, seja de fora dele, selecionar aqueles que têm uma atividade antitumoral maior, cultivá-los, ativá-los e, por fim, implantá-los novamente no paciente. Trata-se de uma metodologia mais experimental do que a mencionada mais acima. Os cientistas ainda pesquisam como fazer para manipular essas células de modo a torná-las mais eficazes no combate aos tumores.
Um dos maiores desafios é entender por que a imunoterapia funciona melhor em algumas pessoas do que em outras contra os mesmos tumores.
Uma terceira via no tratamento do câncer por imunoterapia são as vacinas. Mas não se trata de vacinas preventivas, como as que utilizamos contra o sarampo ou a gripe, mas sim terapêuticas, usadas quando o paciente já contraiu a doença ou até mesmo em um momento posterior à sua superação. O objetivo é alertar o sistema imunológico, que, por algum motivo, não se deu conta da existência do câncer, de que ele está ali. Para isso, costuma-se extrair células cancerígenas que são manipuladas a fim de que as defesas possam reagir diante do tumor de forma adequada. A primeira vacina desse tipo foi aprovada nos Estados Unidos em 2010 e é usada em alguns tipos de câncer da próstata.
Mas, como o câncer não é apenas uma doença, e sim um guarda-chuva que engloba muitos processos, é difícil encontrar uma vacina única que consiga tratar ou barrar o avanço de todos os tipos de tumor. Cada um deles requer pesquisas específicas, que levem em consideração como as células se espalham, suas características, seu estágio...
Outras técnicas extraem glóbulos brancos do paciente, selecionam os que têm uma atividade antitumoral maior para cultivá-los e ativá-los e depois implantá-los novamente na pessoa.
As vacinas podem funcionar no sentido de conter a proliferação de células cancerígenas, diminuindo o tumor, eliminando aquelas que não tinham sido erradicadas com outros tratamentos ou evitando o seu ressurgimento. No último caso se encaixa o trabalho que tem sido feito contra o câncer de próstata por Jay A. Berzofsky, diretor do departamento de imunogenética e vacinas do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos. Os resultados das primeiras etapas de suas pesquisas, apresentados no Congresso Internacional de Imunologia, em Melbourne, mostraram uma evolução positiva em 75% dos pacientes. Trata-se, no entanto, de um estágio ainda muito prematuro, em que ainda não se comparou a sua eficácia com um grupo de controle que esteja submetido a um tratamento com placebo.
A vantagem que o câncer da próstata tem, no que se refere à pesquisa de vacinas, é o fato de ele possuir um indicador biológico de sua evolução, o PSA. A equipe de Berzofsky inoculou a vacina depois de eliminar o tumor e monitorar os níveis dessa substância. Dentre os pacientes, 75% tiveram uma diminuição em seu nível de crescimento depois da administração da imunização, o que indica a sua possível eficácia. “Caso tenha êxito, essa mesma vacina poderia ser eficaz também contra um tipo de câncer de mama, embora neste caso a pesquisa seja mais difícil”, conta o pesquisador.
A grande pergunta no caso da imunoterapia é se ela cura o câncer em definitivo ou apenas trata dele.
O fato é que há um longo caminho pela frente. No cenário mais otimista, Cebon calcula que dentro de 10 anos a imunoterapia será capaz de substituir os tratamentos mais agressivos em vários tipos de câncer, como o da próstata, o melanoma, o do estômago e de mama. Mas a visão da maioria da comunidade científica é de que, mesmo nos casos em que o tratamento seja eficaz, será necessário combiná-lo, muitas vezes, com uma cirurgia, quimioterapia ou radioterapia, como destaca Robert G. Ramsay, do Instituto do Câncer Peter MacCallum, de Melbourne.
A outra grande pergunta a ser feita sobre a imunoterapia é se ela cura o câncer definitivamente ou apenas trata dele. Os medicamentos são tão recentes, que os pacientes que deles se beneficiaram ainda estão sob observação, para que se veja se os tumores retornam ou não. Laurie H. Glimcher, presidente do Instituto do Câncer Dana-Farber, de Boston (EUA), mostra um certo otimismo: “Esperamos que esses tratamentos evitem que os nossos filhos e netos morram de câncer. No futuro, este será uma doença crônica, e não fatal, como já ocorreu no caso do HIV”.
Fonte: El País